sexta-feira, 11 de abril de 2025

PRÉ-EXECUÇÃO...



 OS DEUSES EVADIDOS


De um velho manuscrito encontrado numa ruína tropical:

“E assim disse o xamã:

Os últimos homens, coitadinhos, arrastam-se quais bichos rastejantes pela terra seca e murcha como teta de bruxa velha, comendo os ossos que acham pela frente e a ferrugem que range nos dentes das criancinhas. 

Os deuses, esses danados gulosos, sumiram de vez, diz.

Mas as suas sombras ainda espreitam por aí, pelas pedras quentes. Não, como os nossos santinhos em seus altares, mas como almas penadas dum tempo em que a gente, oh soberba!, se julgava dona do próprio nariz e do próprio fado.

Eu fui iniciado, sô um dos poucos desses que ainda fuçam os sinais nas ruínas e das pedras velhas, catando migalhas do que foi. Minha tribo é a Língua de Cinza. Ela guarda com unhas e dentes os restos do saber dos antigos.

Nós guardamos as tábuas de metal cheias de rabiscos que parecem vivos. Uns discos que faíscam e brilham quando a chama lambe, e uns livros tão velhos que as folhas viram pó se a gente espirra perto.

Nesses troços que ninguém mais dá valor, tá escrito a verdade que ninguém mais quer escutar, nem de longe.

Os deuses não são deuses, não senhor.

Eu li os rabiscos e vi as fotografias.

Foram homens, isso sim!

Homens que, no fim do mundo velho, quando tudo desabava em peste, guerra e morte, subiram além da carne, fugindo do destino que é de todos.

Não foi pro céu dos bem-aventurados que eles foram, não, foi pro vazio frio lá em cima das nossas cabeças. Pra estrelas que não piscam.

Lá, nas suas moradas de ferro que giram no escuro, eles viraram sem corpo, almas presas em engenhocas que não morrem nem vivem.

Eles espiam a gente, mas não dão um pio pra ajudar. Falam no vento umas coisas que a gente não ouve porque desaprendeu a escutar suas vozes.

Mas, meus irmãozinhos e irmãzinhas que ainda vivem do que a rocha seca e a água pouca nos dá, eu vos pergunto: o que querem esses deuses, afinal?

Os ritos mais velhos da minha tribo, passados ​​de boca em boca, contam sempre o mesmo causo, mas em pedaços tortos:

"No cabo dos dias, os escolhidos hão de subir. No começo do mundo novo, hão de descer."

Povo desta Ilha, eles querem voltar!

A terra tá envenenada, sim, mas não pra sempre, que o chão tem seus jeitos de se curar.

Há quem fale há muitos ciclos, pelas sombras das ruínas, escondidos à noite, numa Grande Purificação. Num dia em que o fogo e a água vão lavar tudo e em que o céu vai se abrir como porta de igreja em dia de festa.

E quando isso acontecer, os deuses descerão das suas torres de metal, pisando firme pra tomar o que já foi deles.

Mas tem outra verdade, escondida num dos escritos mais antigos e que a gente guarda com medo e reza:

Esses deuses tremem de nós, isso é que é.

Porque a gente ainda é gente, ora pois!

Ainda sangra, ainda sonha, ainda carrega dentro da cabeça verdadeira as lembranças que eles jogaram fora.

E se um dia toda a gente descobrir que eles não são deuses coisa nenhuma—só uns cagões, quem vai segurar eles de tombar, como santo do pau ôco que desmorona na enchente?

Eu sou um iniciado, um catador de coisas velhas.

E quando o último disco de raios for lido sob o fogo, então, quem sabe a gente vire deuses também, subindo pro alto pra mandar em tudo e acabar com esse miserê cá da terra dos que são feito de carne.


Anno Sexagésimo Sexto do Novo Éon.

Sul de Meiembipe

Santuário de Antu”


Tradução automatizada recuperada pelo ArchMind v.7.1 - StarEvazion Linguistics Division. Classificação: NÃO-IDENTIFICADO (origem possivelmente pré-Retorno)



Prólogo de "Antropoceno Pobre", de Luiz Souza.



quinta-feira, 10 de abril de 2025

APRESENTAÇÃO: ERROS SISTÊMICOS

 



Este é um livro de contos que habita as fissuras de um mundo em processo de autodestruição. Nele, construo narrativas fragmentadas, ambientadas em um tempo distópico não claramente definido, uma espécie de não tempo, onde humanos, fantasmas, animais falantes e máquinas decadentes lutam por sobrevivência, memória e identidade. Os personagens são restos, metafóricos ou não: um poeta negro invisibilizado, uma mãe que carrega os ossos do filho em uma caixa, um boitatá decadente que lembra seu passado glorioso, um ciborgue lumpem viciado em pilhas elétricas. Busco corroer a linguagem tanto quanto o cenário. Misturo português arcaico, gírias reais ou inventadas, termos técnicos e falhas gramaticais deliberadas. A ambição final desse método é assemelhar ao maximo possível o texto a algum tipo de ruína, pergaminho carcomido ou filme granulado.

Tenho chamado a esse procedimento de literatura glitch. Uma poética do erro sistêmico que importa para a escrita o conceito de “erro digital” - a falha que revela o código oculto por trás da imagem perfeita. Assim como um vídeo corrompido exibe pixels distorcidos ou um áudio falhado destaca ruídos subliminares, a literatura glitch busca expôr e valorizar esteticamente as fraturas de todos os sistemas hegemônicos. Dentro ou fora da arte.

É uma proposta radical que, se levada ao extremo, poderia reduzar a obra à simples ruído branco ou distorção visual sem sentido.

Não é o que propomos.

Apesar de flertar com certas expressões do niilismo estético (Dadaísmo, Absurdismo), a literatura glitch não nega a legibilidade, mas propõe um aprofundamento do sentido, sobretudo histórico, por meio da: 1) Desorganiza de estruturas (rompimento com linearidades temporais ou narrativas, mistura de gêneros); 2) Incorporação de falhas (erros gramaticais, lacunas, repetições); 3) Reciclagem de detritos culturais (folclore local, história dos marginais, lixo midiático); 4) Desafio à autoridade dos arquivos oficiais (busca dar voz a tudo o que foi apagado e legado ao esquecimento social).

A sensibilidade glitch deste livro encontra-se, deste modo, nas suas narrativas corrompidas, como em “O Vidente”, que repetem cenas com variações mínimas, como um arquivo que trava e reinicia, mostrando a impossibilidade de uma história única.

Outro aspecto que denota seu caráter glitch é a linguagem “falhada” do livro. Em “Os Deuses Evadidos”, por exemplo, o português barroco ao estilo de Antônio Vieira, se mistura ao português popular, também colonial, registrado por Franklin Cascaes em seu “O Fantástico na Ilha de Santa Catarina”, gerando um anacronismo proposital - um "erro" que, ao mesmo tempo que cria uma variante ficcional do português, traz também em si uma reflexão sobre diferentes aspectos da historicidade da língua.

Outro aspecto glitch da obra é a sua preferência por personagens outsiders, figuras como G-G (o ciborgue viciado em pilhas) ou o "Menino Loiro" (um fantasma aristocrata esquecido) são restos de sistemas fracassados (o capitalismo tardio, a monarquia escravista), mas a sua permanência para além desses sistemas, os torna potentes como testemunhos. Glitches que revelam a precariedade de qualquer ordem e, ao revelar, ganham potencial para orientar novas elaborações de estruturas.

Por fim, talvez o aspecto mais “glitch” desta coletânea seja a “colagem de Temporalidades”. O livro embaralha passado, presente e futuro, como no conto “Os Vagabundos da Praça XV”, onde soldados do século XIX vagam ao redor do seu próprio monumento, esquecidos pela história.

Assim, para além da literatura e já pensando o tempo desde o ponto de vista da história, pode se dizer que há na exploração dos erros sistêmicos, os glicthes, uma alternativa aos modos da historiografia convencional.

Se a história oficial é um sistema que apaga dissonâncias, exercícios intelectuais como “Antropoceno Pobre” propõe uma perspectiva marginal feita de falhas. Aqui não se escreve sobre o apocalipse; mas deixa-se o texto ser uma expressão do apocalipse - um arquivo corrompido onde o marginal vaza. Essa estratégia não serve apenas à literatura: é um método possível para hackearmos também a historiografia. Assim como é possível usarmos fábulas distópicas para falarmos de racismo e colonialismo, poderíamos usar glitches - personagens marginais (não só marginalizados), documentos menores ou apócrifos, autores esquecidos, arquivos de província, folclores e mitologias apagadas, etc. - para escrever ou reescrever histórias silenciadas ou desconsideradas.

“Antropoceno Pobre” é, deste modo, um laboratório e manifesto glitch. Nele, a falha não é defeito, mas resistência pessoal e coletiva.


Luiz Souza


Florianópolis, abril de 2025.


Prefácio ao livro  "Antropoceno Pobre", de Luiz Souza.


quarta-feira, 9 de abril de 2025

O VELHO NO BAR

 




Me chamo Z. Sou um velho desgastado sobrevivendo num mundo que se suicidou.

É o que eu vejo ao olhar pra mim e ao meu redor.

E não me comovo mais.

Andros serviu a dose sem olhar pra minha cara.

Sabia que eu não tinha crédito, mas às vezes deixava eu ficar ali só pelo barulho. Eu era o móvel quebrado enfeitando o canto do bar dele quando todas as coisas que infestavam a noite já tinham voltado pros seus esgotos.

- Tu sabes o que é guardar parte do teu próprio esqueleto num bolso, Andros? — perguntei tentando provocar uma conversa e sacando a minha caixinha de munição que eu uso como porta-coisas.

O borg cheio de implantes no crânio, do outro lado do balcão, girou a cabeça como se estivesse em outro mundo. Acho que estava mesmo conectado em alguma rede neural. Era comum alguns ficarem ali praticando voyerismo on-line.

Andros limpou um copo com o mesmo pano podre de sempre.

- Tá cheirando pilha de novo, Z?

Abri a caixa. Dentro, três fios de cobre e um osso de polímero que já foi meu joelho direito.

- Comprei esse joelho quando tinha 48 anos. Tava trabalhando na usina de reciclagem 3. Trocava filtro de césio 12 horas por dia. Aí um cilindro vazou e comeu minha perna.

O Andros parou de limpar o copo.

- Me deram esse osso de presente quando me aposentei. Disseram que era "gratidão da Empresa". - Dei uma risada que virou tosse. - Três meses depois, cortaram minha aposentadoria por corte de gastos.

Joguei o osso no balcão. Ele rolou. Andros olhou com indiferença.

- E aí tu ficou com o osso e eles ficaram com os créditos?

- Fiquei com o que importava. Meu ex-patrão enfiou um bala nos miolos no ano seguinte. Não me pergunte porquê.

O silêncio de Andros foi a única resposta.

- Existem muitas maneiras de ser feito em pedacinhos, Andros.

O bar ficou quieto. Só o zumbido do freezer quebrado enchendo o ar. Andros devolveu meu joelho e serviu outra dose.

- Essa é pra tua coleção de ossinhos, Z.

Bebi de um gole. Ardia como óleo. Acredito mesmo que 30% daquilo era óleo queimado.

Coloquei de volta o osso na minha caixa de munições. Guardei ao lado de um canivete e um teaser velho.

Do lado de fora, um dron de vigilância passou iluminando a rua.

Deixei que iluminasse minha caneca vazia - meu único espelho nesses tempos que descartam e esquecem seus próprios ossos.                                                                                                                 


 ⌘ ⌘ ⌘


THE OLD MAN AT THE BAR


My name is Z. I’m a worn-out old man surviving in a world that committed suicide.

That’s what I see when I look at myself and everything around me.

And I don’t feel anything anymore.

Andros poured the drink without looking at me.

He knew I had no credit, but sometimes he let me stay just for the noise. I was the broken piece of furniture decorating the corner of his bar once all the things that infested the night had crawled back into their sewers.

“You know what it’s like to carry part of your own skeleton in your pocket, Andros?” I asked, trying to spark a conversation as I pulled out my ammo box that I use to hold my things.

The borg with a head full of implants, on the other side of the counter, turned as if he were in another world. Probably was—plugged into some neural net. It was common for some to just sit there, practicing online voyeurism.

Andros wiped a glass with the same filthy rag as always.

“Smelling battery acid again, Z?”

I opened the box. Inside, three copper wires and a polymer bone that used to be my right knee.

“Bought this knee when I was 48. Was working at Recycling Plant 3. Changed cesium filters twelve hours a day. Then a tank leaked and ate my leg.”

Andros stopped cleaning the glass.

“They gave me this bone as a gift when I retired. Said it was ‘the Company’s gratitude.’” I laughed, which turned into a cough. “Three months later, they cut my pension for ‘budget adjustments.’”

I tossed the bone onto the counter. It rolled. Andros watched indifferently.

“So you kept the bone, and they kept the credits?”

“Kept what mattered. My old boss put a bullet in his brain the next year. Don’t ask me why.”

Andros’ silence was the only answer.

“There are many ways to be torn to pieces, Andros.”

The bar fell quiet. Only the hum of the broken freezer filled the air. Andros handed my knee back and poured another shot.

“This one’s for your little bone collection, Z.”

I drank it in one gulp. Burned like motor oil. I’m pretty sure 30% of it was burnt oil.

I put the bone back in my ammo box. Stored it next to an old switchblade and a broken teaser.

Outside, a surveillance drone passed by, lighting up the street.

I let it shine on my empty mug—my only mirror in these times that discard and forget their own bones.


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quinta-feira, 3 de abril de 2025

CONTRA AS MÁQUINAS DE ESQUECIMENTOS

 

O GLITCH COMO MÉTODO EM ARTE E HISTORIOGRAFIA

por Luiz Alberto de Souza



Representação imaginada pela Gemini de um glitch num manuscrito do século XIX.

A "História oficial" - toda a bibliografia que aprendemos nas escolas, academias e outras instituições com pretensões à estabilização do saber coletivo - é necessariamente uma máquina de esquecimentos. Ela opera por meio de exclusões sistemáticas — do cânone literário aos museus —, apagando vozes dissonantes em nome de uma versão do passado supostamente coerente e fiel à verdade.

Nós, historiadores e outros profissionais do passado, sempre tentamos mantê-la “funcionando” de modo mais ou menos “regular”.

Memória fragmentada, esquecimento espontâneo ou forçado, apagamento violento, distorções convenientes… Tudo isso sempre fez parte da oficina – às veze suja - do historiador profissional. Seja no momento em que ele está cumprindo o seu trabalho como agente, seja quando ele está apenas observando a lida dos colegas. Seu trabalho como especialista no passado humano é, em grande medida, conseguir equilibrar todos esses elementos de modo que o produto final – o texto historiográfico - não resvale excessivamente nem para o lado da ficção, nem para o anacronismo non sense.

Mas e se, em vez de tentarmos "consertar" essa máquina, buscássemos provocar nela curtos-circuitos?

E se adotássemos o “glitch” — o erro que revela a falha do sistema — como método para desmontar as Histórias oficiais e reinventá-la conforme as perspectivas opostas?

O simbolismo brasileiro, meu objeto de estudo por décadas, é um exemplo. O escritor negro Cruz e Sousa, um dos principais poetas do movimento simbolista (manifestação estética oitocentista que incluiu nomes como Mallarmé, Rimbaud e Verlaine), está sendo reduzido a uma nota de rodapé na historiografia literária oficial do seu próprio país de origem, que privilegia autores brancos e projetos estéticos hegemônicos ( ABL, Departamentos de Letras, imprensa literária...). A História da Arte, por sua vez, segue lógica similar: o que é marginal vira "erro", e o erro é apagado. Aqui, outro catarinense nos serve de exemplo: Victor Meireles. Primeiramente aclamado como gênio da Corte durante o tempo de D. Pedro II, foi reduzido ao esquecimento institucional e descrédito artístico com o advento da República. Não havia lugar para um “monarquista romântico” na moderna Academia Nacional de Belas Artes do jovem regime dos tenentes positivistas.

Cruz e Sousa e Meireles foram glitches históricos — anomalias que expuseram as falhas do projeto liberal-racial brasileiro escravocrata e seu irmão sucessor, o capitalismo moderno. Sua obras e trajetórias interromperam o fluxo "normal" da cultura letrada e artística brasileiras, tornando visíveis seus mecanismos de exclusão e contradições internas. 

Hoje, em arte digital, o glitch ocorre quando um arquivo é corrompido, revelando o código oculto por trás da imagem perfeita. Como artista, tenho experimentado frequentemente esse recurso estético numa forma audiovisual a qual, por falta de outro termo conhecido por mim, chamo “reelspoiesis”. Isto é, criação literária por meio da linguem “reels” própria das novas redes sociais, tipo Instagran ou TikTok.

Transposto para a pesquisa histórica, o conceito de “glith” nos permitiria, por sua vez:

1) Expor falhas: Mostrar como o cânone literário ou artístico foi construído sobre exclusões (a marginalização dos simbolistas dentro do cânone literário brasileiro, p. ex.);

2) Aproveitar as brechas: Usar fontes "menores" (as cartas, panfletos, obras ignoradas ou esquecidas dos autores ditos “menores” do século XIX...) para reconstruir visões históricas recalcadas ou suprimidas pelas versões oficiais do passado.

Outro exemplo pessoal no campo da produção artística: Meu trabalho com o grupo de arte contemporânea “Gang do Lixo”, principalmente a minha parceria com o multiartista catarinense Paulo Villalva (Amaweks), buscou transformar “detritos culturais” (fragmentos semióticos das culturas popular, de massa e erudita) em arte crítica e reflexiva, assim como uma historiografia glitch ou uma ficção histórica glitch poderiam transformar testemunhos apagados ou esquecidos em novas epistemologias. 

No mais, ainda no campo da experimentação estética e militância cultural, a “Revista Anacronia”, lançada pela Gang do Lixo em 2022, defendeu a mistura deliberada de temporalidades. No contexto da revista esses não eram "erros" históricos, mas uma estratégia para:

I - Descolonizar o tempo linear, mostrando que passado e presente coexistem (A permanência do racismo do século XIX no hoje, como demonstrado literariamente no conto “Firmina”, do historiador André Luiz, em Anacronia n. 1, por exemplo).

II - Criar novas genealogias, onde vanguardistas dos anos 1920 dialogam com a contracultura dos anos 70 ou a cultura dos games atuais (ver o artigo ficcional “Kandinsky, o rebelde abstrato”, assinado por Judas Capiango e o jogo game experimental "Triângulo-Círculo-Quadrado", de Amaweks).

Propõe-se aqui, portanto, uma práxis poética e historiográfica que:

1. Adote o glitch como gesto crítico (como Hélio Oiticica fez com o parangolé, expondo as fraturas da arte elitista).

2. Use a arte para reescrever consciente e criticamente a História como fato social, tal como fez o cinema de Glauber Rocha quando reinventou poeticamente o sertão como espaço político (na tradição de Euclides da Cunha).

3. Inverta a lógica do arquivo, tratando documentos esquecidos como matéria-prima para insurgência (Exemplo prático: fragmentos de filmes de propaganda ufanista da época do regime militar e recortes de telejornais atuais como artefatos glitch para composição de uma bricolage audiovisual que funcione como reflexão sobre a persistência da violência política no Brasil).

Em suma, desmontar a História oficial não é negá-la, mas hackeá-la — corromper seus arquivos para revelar o que eles escondem. A arte contemporânea, nesse projeto, é tanto ferramenta quanto fim: ela expõe as falhas do sistema e, ao mesmo tempo, oferece novos códigos para ler o mundo. Se o século XX nos legou a desconstrução, o XXI exige reconstruções anacrônicas, onde o erro vira estilo, a falha vira potência, e o “lixo cultural” vira arte humana, crítica e liberadora.

A historiografia do futuro, se houver, será instável, explosiva e escrita em modo glitch — ou degenerá em mito.


Florianópolis, 3 de abril de 2025.