Carrego meu filho aonde quer que eu vá. Até no trabalho, se eu pudesse trabalhar eu levava. Mas como não posso trabalhar por causa da tiróide não levo. Mas levo ele no ônibus, quando peço passagem de graça pro motorista, na praça onde passo os fins de tarde sentada, olhando os pombos e invejando a vida dos bichinho. Até na feira onde cato os resto caído das barraca.
Mal imaginam as pessoa que é com ele que to falando quando elas me vêm sozinha falando e olhando pra caixa onde trago ele. Pois duvidam que eu carregue meu filho numa caixa!? Eu o guardo numa caixa sim! Amontoadinho numa caixa de papelão. Meu único filho, numa caixa de papelão. De dia ele me faz companhia, me protege na rua, à noite eu boto ele pra descansá, igual que nem ele era pequeno e vivo.
Ele era tão bonito sabiam? Vendo esses osso nem dá de imaginá. Tinha a cor do pai, pardo. Os olhos também eram do pai, na realidade ele todo era igual o pai. Pai que ele nem conheceu porque me largou aqui grávida e foi se embora de volta lá pro Norte, onde era a terra dele. Só o jeito de falar era igual ao meu. Era tão bom menino pobrezinho, trabalhador, tão bom moço, quando ele vivia ninguém passava fome nessa casa. Nem eu, nem a minha mãe, que tá lá, presa na cama, estriporosi, os medico diz. Doença de osso.
E só osso sobrô do meu menino. Quando ele morreu nós dêmo um enterro de gente pra ele. Enterro de cristão. No cemitério, com caixão e cruz no túmulo. Tava tão lindo meu filhinho, nem parecia que tava morto, tava mais bonito no caixão que quando tava vivo. O Seu Agenor deu pra nós um terno velho que não servia mais, e vestimo meu menino. Ficô tão lindo meu deus... mesmo magrinho e pálido porcausa da doença. Diziam que ele tava com aidís, diz que isso é doença de pele, porque abre umas ferida. Até hoje não entendi direito como é que uma doença tão a toa pôde levá meu filhinho. Nunca tinha visto ele de terno, quando ví ele no velório fiquei tão orgulhosa. Parecia um deputado ou um daqueles pastor da televisão. Mas depois tivemos que enterrar o meu menino. Deu uma vontade doida de me jogá junto com ele na cova, mas quem ia fica com a minha mãe né? Daí eu achei melhor ficar, só chorando, só chorando. Chorei, cinco ano seguido, todos os dia, lágrima de mãe não acaba fácil não. Lágrima de mãe não seca.
Pois não é que depois desses ano todo me disseram que meu filho ia ter que sair do tumulozinho dele? Os homem do cemitério disseram que o tempo de uso da cova tinha... Tinha... Como é que eles disseram? Tinha inspirado! O tempo do meu filho no cemitério tinha inspirado! Por isso eles iam ter que tirar os ossos dele de lá e jogar tudo fora. Que judiação com o meu menino, pertubá um bichinho que nunca fez mal pra ninguém e que muito menos mal tava fazendo agora que tava debaixo da terra.
E pois não é que eles tiraram mesmo? Quando fui ver ele já tava dentro da caixa, prontinho pro lixo. Não deixei! Isso lá é coisa pra uma mãe deixar fazerem com uma cria!? Como eu não tinha dinheiro pra botá ele descansadinho em nenhuma outra cova, decidi que o certo mesmo era levá ele de volta pra casa. Como a casa é pequena e quase não tem espaço pra nóis vivo dormi, tive que botá ele dentro do armário da cozinha. Como o armário tá sempre vazio não foi incomodo nenhum botá ele lá. Parece até que foi coisa de Deus isso, porque quando ele vivia esse armário tava sempre cheio de coisa, saco de feijão, açúcar, arroz.
Se não fosse essa miséria meu filho não ia ter aonde descansar. Deus sempre sabe o que faz, né?
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Tem algo de um "realismo social" nesse conto, que é uma pedrada no estômago. Não sou conhecedor de estilos literários, por isso não sei dizer o quanto tem nele desse tipo de realismo, e certamente tem algo de moderno nele também, mas foi o aspecto que mais impactou.
ResponderExcluirTem sim, Amaweks. Uma das vozes que me repercutiam na cabeça quando escrevia esse conto era justamente o Graciliano Ramos. Outra era a da Clarice Lispector. Ambos modernos.
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