quarta-feira, 31 de março de 2021

OS VAGABUNDOS DA PRAÇA 15


Praça XV de Novembro, Florianópolis, Santa Catarina.

 

Há uma praça.

No centro dela, um monumento feito com balas de canhão.

Os maltrapilhos se amontoam ao redor do monumento.

Fazem força para ler as inscrições no mármore desgastado.

Soletram com dificuldade.

Alguns nomes não lhes são estranhos.

Sabem que conhecem aquelas pessoas, mas não lembram.

Eles próprios estão ali.

Todos estão ali.

O monumento é deles.

Foi construído em memória deles.

Para louvá-los, saudá-los para todo o sempre.

Mas é tão difícil lembrar.

São tantos títulos, tantos nomes, tantos sobrenomes, tantas citações em latim.

Mais uma vez eles desistem.

Voltam a se dispersar pela praça.

Talvez mais tarde alguém lembre.

Ou talvez amanhã, ou depois, ou... no próximo ano?

Quanto tempo faz? Será que já passou um ano?

Com certeza.

Um ano com certeza.

Muita coisa mudou na cidade.

Muita coisa mudou.

Ou não mudou nada?

Quase nada?

Todos gostariam de ser oficiais.

Lembram-se de que isso lhes parecia desejável à época.

Ainda deve continuar sendo.

“Prometi voltar para casa morto ou capitão ou coronel”, disse alguém antes de partir.

Talvez tenha sido para sua mãe.

Ou foi para a esposa?

Tanto faz.

Outro lembra de quase tudo, menos do próprio nome.

Lembra dos abraços e beijos na hora do embarque.

Lembra do lenço de seda que levou no bolso.

Lembra das noites ao relento.

Da lama.

Lembra do som alto dos bacamartes.

Dos gritos.

Lembra do índio cortado ao meio.

Lembra do que sobrou do colega de alojamento.

Lembra da vez em que se divertiu com uma prostituta.

Lembra do pão mofado.

Lembra do...

...foi na cidade ou no campo?

Havia mais gente, mas ele não sabe bem como aconteceu.

Era uma pilha de cadáveres.

Ele estava bem embaixo deles.

Era impossível respirar com tanta gente em cima.

Havia ratos.

Os ratos comiam o que sobrou dos seus companheiros de batalhão.

Há quanto tempo?

Eles desistem e voltam para os seus bancos.

Mais de um ano, com certeza.

Uns continuam ali, parados, balbuciando nomes.

Citações em latim.

Mais de um ano.

Os negros que foram sonhavam com alforrias.

Foram de navio.

Há quanto tempo?

Os transeuntes passam sem vê-los.

Não lembram mais quando.

Nem porquê.


Luiz Souza

CAMPECHE, 31 mar. 2021.


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