domingo, 12 de dezembro de 2021

UM SONHO


À Paola Miotto, com amor e medo.

Os cachorro não comio fazia uns três dias já. Então, se algum deles conseguisse alcançá qualquer um dos vagabundo, não sobrava nem osso.

Digo isso porque eu já vi isso acontecê uma vez. Um dia uns maconheiro entraro aqui no meu bar. Era dois cara e uma guria.

Eles querio água, eles.

Eu disse que água só tinha da torneira. Aí eu dei o preço.

A mulher ficou braba comigo. Os cara também. Então eu falei que aquele era o meu bar e que eu cobrava o preço que eu quisesse pela minha mercadoria. Então, se o preço da água era um boquete, era esse o preço que eu ia cobrá.

Aí a mulher me mandou tomá no cu.

Todo mundo aqui na comunidade me conhece. Eu nasci e fui criado aqui. Graças a deus fui bem educado. Meu pai me ensinou a ser um homem direito. Não devo nada a ninguém. Nunca chamei a vigilância pra ninguém que não merecesse. Então eu acho que eu tava no meu direito.

Não disse nada demais na hora. Só falei que aquela água era boa e valia o preço. Não era de esgoto, não tinha sujeira nenhuma e que nem aqui e muito menos na cidade eles iam encontrar água melhó. Falei só a verdade, eu.

Aí, eles viraro as costa e me deixaro falando sozinho.

Era verão na época e o dia tava quente mesmo.

Eles parecio tá na estrada fazia já muito tempo já. Tava todo mundo muito magro. Todo mundo sujo. Uma imundície.

Aí eu gritei: Vocês tão fudido. Eu vou chamar a vigilância pra vocês, seus comunista!

Um dos cara, um neguinho, levantou o dedo do meio e me chamou de fascista.

Aí eu não agüentei.

Não gosto de esculhambação, tu sabes.

Peguei o telefone e mandei mensagem pro comando central. Disse que tinha três terrorista aqui no bairro e que eles parecio tudo drogado.

Sim, porque eles tavo tudo drogado.

Eu vi o olho deles.

Sabe quando a pessoa fuma maconha e fica com o olho vermelho>

Eles tavo tudo assim.

Tudo de olho vermelho.

Aí não demorou nem cinco minutos e já chegou dois segurança numa picape.

Uma caminhonetona grandona. Cinza. Bonita a caminhonete deles.

Um dos segurança eu conhecia da igreja. O outro acho que era PM aposentado. Tinha jeito de PM. Era um fortão, careca, com uma .40 na cintura.

Arma boa a .40. Faz um buracão assim, ó.

Mas aí, então, os dois viero já com quatro pitbull branco amarrado pela coleira.

Cada um vinha segurando dois.

Os cachorro tavo preso numas corrente grossa e de focinheira.

Tu sabes que esses bicho apanho desde filhote, né> Então a única coisa que eles sabe fazê é recebê ordem, corrê atrás de vagabundo e mordê pra matá. Não tem cachorro melhor pra fazê segurança do que o pitbull.

Pitbull é o melhó cachorro que tem.

Então eu contei pros dois vigia tudo certinho o que tinha acontecido.

Expliquei que eu tava aqui no meu serviço e que três vagabundo aparecero querendo água.Eu ofereci o produto e eles me agrediro. Dei a descrição dos três. Falei que a mulher provavelmente era puta e que todo mundo tinha cara de esquerdista.

Maconheiro e esquerdista.

Aí pronto. Os dois já viraro as costa e sairo na perseguição.

Não sei quanto tempo demorô. Acho que nem dez minuto. É... Uns dez, quinze minuto...

Não!

Uns vinte.

Vinte minuto.

Eu tava aqui preparando o sopão do dia pra vendê no almoço e um dos segurança voltou.

Tava com a camisa toda respingada de sangue.

Disse que eles tinham encontrado os três numa trilha aqui perto e que eles tinham soltado os cachorro pra corrê atrás deles.

Fiquei contente porque era isso que eles merecio mesmo.

Mas aí o cara disse que era pra eu ir lá ver se era eles mesmo e reconhecê os marginal.

Então eu fui lá.

Do neguinho não tinha sobrado quase nada do rosto. Um dos cachorro ainda tava roendo parte da bochecha, inclusive. Mas eu reconheci o safado pela cor e pela bermuda.

O outro ainda deu pra ver bem quem era. Os bicho tinho comido só a parte de baixo do corpo. As perna mesmo já tavo as duas só no osso. Uma sangueira desgraçada.

Agora, a mulher foi feio.

Tinha dois bichão em cima dela quando eu me aproximei. Um tava com o focinho enterrado na garganta e com as pata bem em cima dos peitinho. Parecia que tava tentando arrancar a cabeça da vagabunda.

Um cachorro já tinha arrancado uma das perna da moça.

Ao redor a criançada ficavo tudo pulando, gritando, fazendo festa. Tinha tempo já que eles não vio a cachorrada comê.

Aí, o carecão com cara de PM me perguntou se era eles mesmo.

Eu disse que sim e daí eles me liberaram.

Só depois é eu fiquei sabendo direitinho como é que os três tinho sido pegado.

Diz que quando os vagabundo sairo aqui do bar eles já correro direto pro mato porque sabio que eu ia denunciá eles mesmo. Então foram pela trilha, não pela estrada.

Quando os cachorro encontraro os terrorista, provavelmente guiado pelo faro e pelo cheiro de maconha, os pitbull já tavo sem a focinheira e pronto pra atacá.

Nem deu tempo pra ninguém subir nas árvore ou tentá enganá os bichos com pedaço de pão ou farelo de bolacha que nem essa cambada costuma fazê.

Os pitbull da vigilância são uns bicho bom. Já chego estraçalhando.

Diz que eles fico vários dia sem comer pra poder render melhor.

Esses tavo há três dias, parece.

Quem me disse isso depois foi o outro segurança. O rapazinho que eu conheço lá da igreja. Um menino bom, ele.

Ele me disse que a mulher foi a última a morrê.

Morreu xingando o Presidente, ele me disse.

Bem feito.

Teve o que mereceu, aquela puta.

Deus que me perdoe, mas teve sim.


Luiz Souza

Florianópolis, 12 dez. 2021. II d. P. 


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