terça-feira, 25 de janeiro de 2022

MALLEUS MALEFICARUM

 


Enganam-se portanto os que afirmam não existirem coisas como bruxaria ou feitiçaria, ou os que professam tais coisas serem imaginárias ou existirem demônios só na imaginação de ignorantes e de populares, e também os que declaram ser equívoco atribuir a demônios certos fenômenos naturais que acontecem aos homens. Argumentam terem algumas pessoas imaginação tão extraordinariamente viva que creem ver vultos e fantasmas como se fossem aparição de espíritos maléficos ou de espectros de bruxas, embora tudo não passe de reflexos de seu próprio pensamento. Essa opinião, porém, vai de encontro à fé verdadeira. Esta ensina-nos que alguns anjos foram lançados do céu e hoje são demônios.


- Heinrich Kraemer e James Sprenger. Malleus Maleficarum: O Martelo das Feiticeiras, o qual destrói as bruxas e a sua heresia, como uma espada de dois gumes. 1486.



Naquele noite de1968, estavam todos reunidos no Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da USP. Estavam lá, na Casa do Estudante, todas estrelas locais do Partido Comunista. O Zé Arantes, o Augusto de Azevedo Marques, o André Gouveia, o Luiz Del Roio, o Rui Falcão. Todos jovens. Todos inflamados pelo mais sincero ardor revolucionário.

No centro da roda, discursava José Dirceu.

- Eu me pergunto o seguinte: todos os nossos camaradas e companheiros, que através da História da Humanidade, deram as suas vidas, foram torturados, abandonaram família pra lutar por uma causa maior que era a causa da Humanidade, e deixaram suas mulheres, seus filhos, seus maridos de lado pra lutar por uma causa maior e deram a vida por essa causa, fizeram isso por quê?

À parte da agitação, sentado sozinho, estava um rapaz magro, pequeno e frágil. Ele observava tudo atento. Seus olhos arregalavam-se por trás das lentes do óculos de grau sempre que ouvia Zé Dirceu discursar.

- Nós não estamos lutando pelo imediato. Nós não estamos brigando aqui por aumento de salário pro mês que vem. Nós estamos brigando aqui pelo futuro da Humanidade!

As palmas vieram com o maior entusiasmo. As moças, sentadas no chão e encostadas nas paredes, com suas calças jeans e minissaia, assentiam e cochichavam entre si.

O rapazinho tinha 21 anos e era um dos poucos ali que não fazia parte do movimento estudantil. Tinha abandonado os estudos escolares há muito tempo. Zé Dirceu tinha 22 anos e era acadêmico de Direito na PUC. Dirceu era um moço bonito e fazia sucesso entre as militantes universitárias. O rapazinho, certa vez, havia namorado uma menina do interior.

- É isso. Essa reflexão a gente tem que fazer agora nessas duas, três noites que faltam pra gente decidir os destinos do Partido Comunista Brasileiro. E é um convite que eu faço aos companheiros: cada um com a sua consciência. Apenas quero lembrar uma frase que é atribuída a vários líderes históricos da luta por uma sociedade melhor. Uns atribuem a Guevara, outros atribuem a Fidel, outros atribuem... a… a um general é... das tropas revolucionárias de Cuba, mas o importante é que ela foi dita.

Dirceu era um orador brilhante e apaixonado.

- No momento em que os revolucionários cubanos estavam em Sierra Maestra, um sentinela correu até Fidel e disse: “Companheiro, estamos cercados. Somos 150 e a tropa do Fulgêncio Batista é de aproximadamente 800 homens. Fidel falou: “Tudo bem! Reúne o pessoal aqui. Chama os 150. Chamou os 150 e disse o seguinte: Olha, estamos cercados. Eles são 800.. NÃO VAMOS DEIXAR O INIMIGO ESCAPAR!

Mais palmas. A sala chegava a estremecer. O rapazinho também aplaudia. Enquanto isso, buscava o olhar do orador. Queria ser notado em meio ao movimento.

- Nós estamos cercados. O inimigo é forte. O inimigo é moderno. E o inimigo é cruel. E eu peço aos companheiros, com toda a pieguice que possa ter esse apelo patético: NÃO VAMOS DEIXAR O INIMIGO ESCAPAR!

Palmas. As meninas pareciam estar com calor. Os homens sorriam com alegria e aprovação. Tudo o que o rapazinho queria era um olhar de José Dirceu. Apenas um olhar.

- NÓS SOMOS MARXISTAS-LENINISTAS!

O rapazinho sentiu-se contemplado pela fala do líder.

Ao final da reunião quis falar com Dirceu, mas não pode. Toda a alta cúpula do movimento estudantil cercava o dirigente. Trocavam informações, tomavam notas, riam. Dizem que Dirceu tinha contatos com Marighella. O rapazinho não teve coragem de se aproximar. Pegou seus exemplares de Gramsci e Lenine, pôs em baixo do braço e foi embora sozinho. Mais uma vez.

Foi a última vez que se viram pessoalmente.

Meses depois Dirceu foi preso durante uma tentativa de realização de um congresso da UNE, em Ibiúna, no interior de São Paulo.

Na mesma semana da prisão de Zé Dirceu o rapazinho leu, pela primeira vez, um livro chamado O despertar dos mágicos, de Louis Pauwels e Jacques Bergier. A leitura foi realizada com discrição. O rapazinho não queria parecer alienado, nem pequeno burguês frente aos seus camaradas de militância.

Algum tempo depois, não seria mais necessário esse tipo de precaução.

O rapazinho saiu do PC.

Cinquenta anos depois.

William Bonner anuncia em pleno Jornal Nacional os resultados oficiais das eleições de 2018.

O velho sai do PC.

Acabou a sua última transmissão ao vivo do dia.

Considerou a live satisfatória. O entrevistador lhe parece um idiota, um imbecil, um cretino, mas ele se esforçou por demonstrar respeito. O analfabeto, por sua vez, não precisou se esforçar nada. Ele respeita o velho. Toda a emissora respeita. E agora provavelmente todas as emissoras do Brasil também respeitarão. O velho é a grande voz que ressoa sobre as consciências do País. Seu dia chegou. Sua opinião agora será lei. Os antigos inimigos sofrerão, os atuais pedirão misericórdia, os futuros nem chegarão a nascer. Fetos abortados...

Voltou ao computador.

Esqueceu de verificar aquele último vídeo que havia postado hoje de manhã.

- Ora, meu deus! Cientista político na USP é o sujeito que é assim: ele imita a linguagem acadêmica, mas no meio ele se trai e começa a falar a palavra “nós”. E “nós” significa militância comunista. Ahn? É um gênero misturado. Meio discurso acadêmico, meio discurso de autodefinição do grupo político. Ahn? Isso é característico da USP. Então...

Pausa dramática para o café. Precisava pensar em algo. Pronto. Já lhe veio algo em mente.

- E você vai chamar isso de Ciência Política?

Juntou algumas das folhas em branco que estavam posicionadas estrategicamente em cima da mesa. Com gesto firme, mas casual, disse em tom condescendente:

- Não meu filho, isso é propaganda política só.

Outra pausa dramática. Retomou empostando mais a voz. Agora ele segura uma caneta esferográfica e bate com a ponta pontuando a sua declaração:

- Agora, eu tô tentando analisar as coisas com a maior objetividade possível. Objetividade não quer dizer abstinência de juízo de valor, quer dizer que você não vai deixar que os seus desejos temores, esperanças, etecétara deforme a sua visão da realidade. Uhn...?

Retoma agora num tom paternal.

- Então, cê acha que eu quero que as coisas estejam assim? Eu não quero. Eu gostaria que estivessem muito melhor, mas infelizmente é assim que está, não é?

Pausou o video.

Lembrou que precisava preparar algo para a videoaula de amanhã. Levantou e foi até a estante. Uma bela coleção de coleções. Todos os clássicos estão aqui: toda a obra de Charles Maurras encadernada em couro legítimo, edições raríssimas de panfletos do Reverendo Coughlin, primeiras edições do grande Farias Brito, exemplares em capa dura de G. K. Chesterton, Hilaire Belloc, Giovanni Gentile, Marcel Lefèvre, Primo Rivera, Oswald Mosley, Julius Evola, Miguel reale, Plínio Salgado (toda a obra), Hélio Vianna, António Sardinha, Alfred Rosenberg, Joseph Goebbels... E, claro, a sua jóia da coroa: toda a obra de Aristóteles. Uma linda e imponente edição francesa do século XIX da obra completa de Aristóteles em grego... e latim. Ele não lia em grego. Também não lia em latim. Mas se virava no espanhol e tinha o inglês como sua segunda língua. Era o bastante.

Percorreu com o indicador as lombadas dos livros.

Parou em Tomás de Aquino. A bibliografia básica desse módulo do curso. Pegou um volume da Summa. Voltou à escrivaninha e abriu ao acaso.

"Art. 2 — Se a alma intelectiva é causada pelo sêmen."

O velho interessou-se.

“O segundo discute-se assim. — Parece que a alma intelectiva é causada pelo sêmen. 1. - Pois, diz a Escritura: Todas as pessoas que tinham saído da coxa de Jacó eram ao todo sessenta e seis. Ora tudo o que é gerado do homem o é pelo sêmen. Logo, também a alma intelectiva.”

Pensou que poderia expôr amanhã aos seus discípulos a polêmica questão da superioridade intelectual dos homens com relação às mulheres.

“2. Demais. — Como já se demonstrou, o homem tem uma mesma alma substancial intelectiva, sensitiva e nutritiva. Ora, a alma sensitiva do homem, bem como a dos animais, é gerada do sêmen...”

Redundâncias, redundâncias.

“3. Demais. — É de um e mesmo agente a ação que termina na forma e na matéria; do contrário a matéria e a forma não constituiriam, em si, uma unidade.”

O problema da superioridade intelectual masculina está intimamente ligada à superioridade física e a virilidade, claro!

“5. Demais. — É inadmissível dizer que Deus coopera com os pecadores.”

Homossexuais. Homossexuais tem uma clara tendência ao deficit cognitivo e ao analfabetismo funcional

“É impossível a virtude ativa..,”.

Passivo.

“...o corpo...”

Todos os homossexuais que ele conhecia eram burros.

“...é herético dizer que a alma intelectiva é gerada do sêmen.”

Sêmen.

Fechou o livro. Já havia estudado bastante. Amanhã improvisaria baseado nas décadas de leitura crítica da tradição escolástica.

Abriu a aba do navegador. Digitou os termos da pesquisa: “héteros” + “pecados capitais”. Aparecerem milhares de links.

“O PRIMO HÉTERO DA CAPITAL”.

Gays. Clicou.

“Era sábado de manhã. Meu primo veio de São Paulo para o interior...”

Ibiúna.

“Ele tinha uns olhos muito intensos, era alto, cabelos longos, um rosto viril, barba por fazer. Ele tinha 22 anos na época.”

Ele tinha 22 anos.

"Eu espero que ninguém saiba disso.”

Clandestinidade.

“Fica tranquilo, eu não vou contar pra ninguém.”

Ninguém vai saber.

“Entramos juntos no banheiro.”

O velho sentiu um movimento dentro da fralda geriátrica.

“Nossa boca encaixava perfeitamente.”

Levantou e foi até a porta. Ele estava sozinho. Por via das dúvidas fechou-a com chave.

Voltou ansioso.

“Ele foi lentamente colocando o meu caralho na boca dele enquanto olhava bem dentro dos meus olhos.”

É difícil conseguir um início de ereção depois dos 70. Ainda mais com todos os problemas de saúde que se costuma desenvolver nessa idade.

“Depois ele chupou meu rabo por minutos...”.

Rabo.

“Ele chegou por trás...”

Cu.

“Forçou um pouco e entrou...”

O pênis do velho não conseguia ficar ereto. Apenas saltitava meio flácido, caindo para os lados das suas coxas brancas. Ele cuspiu na mão e começou a alisar a glande.

“... acelerou, eu urrava de tesão.”

Come o cu dele.

“... a gente não podia demorar, então acelerou ainda mais e tirou...”

“Uns olhos muito, muito intensos”

Ibiúna.

“... bateu uma e ficou todo melado...”

Porra.

“... com a sua mão toda lambuzada, começou a bater uma para mim.”

Bate.

“... beijei ele e peguei sua mão, chupando dedo por dedo.”

Sêmen.

“Porra gostosa.”

Bate.

Gostoso.

Bate gostoso.

Bate.

Só mais um pouco.

Olhos viris.

Bate.

Só mais um pouco.

Masculinidade.

Bate...

Força...

Bate.

Força.

Bate!

Força!

Bate!

Bate pra ele.

Só mais um pouco...

Bate com ele.

Barba por fazer...

Bate nele.

Só mais um pouco...

Bate nele!

Queria comer o cu dele.

Bate nele!

Queria chupar o cu dele.

Bate nele!

Cuzinho.

Bate nele!

Rabo.

Bate nele!

Caralho.

Bate nele!

Pau.

Bate nele!

Porra.

Bate nele!

Sêmen.

Bate nele!

Goza pra mim.

Bate nele!

Goza no meu cuzinho.

Bate nele!

Só mais um pouco...

Só...

… mais...

...um...

...pou...

- Dirceuargh!

Olhos arregalados. Tristeza. Desespero. Dor. Ele parecia morrer.

- Eu te amo, Zé. Eu te amo. Olha pra mim, Zé. Eu te amo. Por favor, olha pra mim. Olha pra mim...

Ninguém ouviu os gemidos e o choro que vinha de dentro do escritório. A casa estava vazia e não existiam vizinhos. Ele era um homem solitário.

Ele gozou de pau mole e quase sem esporrar.

Foi ao banheiro.

Expeliu uma coisa mole, meio vermelha, meio amarelada de dentro dos intestinos. Algo como um... aborto. Efeito de algum dos muitos remédios que vem tomando, provavelmente. Precisava parar com a clozapina. De novo.

Como era inverno na Virgínia e a calefação era ruim, preferiu não tomar banho. Acendeu o último cigarro do maço. Pensou em comprar um novo rifle. Pôs o pijama e foi deitar. Dormiu um sono agitado, mas sem sonhos.

Amanhã teria muito o que ensinar aos seus discípulos.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

O VIDENTE




- Luiz Souza. "Vista de Nova Desterro, 2099". 2021.


          Como vou morrer, pergunta à bruxa.

A bruxa lê o destino do homem em dígitos de plástico retirados de algum teclado do iníc2io do século XXI. O primeiro lance, que é o mais aberto, indica as palavras “vim” e “rua”.  

- Ele diz que não é coisa pessoal. Tua morte vai vim da rua. O que for não vai ter a ver com a tua família. 

O segundo lance revela dois termos em inglês: “rec” e “few”. O que é isso, pergunta o homem. 

- É “gravação” e... “menos”. Não, menos não, “algum”. Em inglês, “few” é algum. 

A bruxa acende novamente a ponta de haxixe. Dá uma baforada. Prende. Solta. 

- Alguma gravação. É isso o que diz. 

- Humm. Entendi. O que mais? 

A bruxa recolhe novamente os dígitos, chacoalha, fecha os olhos e atira sobre o tabuleiro de vime. 

- E, Q, U, C... “que”... céu”. 

- Que céu? 

- Isso. 

- Humm. 

- Diz que tem a ver com as ideia. O que vai por cima da cabeça. É coisa de pensamento. Tu vai morrer por conta de alguma gravação que tu publicar. É isso o que voz do teclado me diz. A bruxa começou a recolher o material de trabalho. 

- Tá certo. Quanto é? 

- Três. Um por lance. 

- Em crédito ou moeda. 

- Moeda. Só trabalho com dinheiro físico. 

- Toma. Pode ficar com o troco. 

- Deus lhe abençoe. 

O homem não responde. Levanta-se do banco dentro da barraca improvisada em pleno calçadão central de Nova Desterro. Faz frio e parece que vai chover novamente. Outra tempestade. Um café. Entrou. Duas mulheres conversam. A mais velha tosse muito. Ao avistarem o homem ambas recolocam suas máscaras Sílex P-98. 

- Bom dia, o que vai ser? 

- O que tem? 

- Álcool e água de torneira. 

- Álcool, por favor. 

- Pra consumir aqui ou pra levar. 

- Consumir aqui. 

- Pra consumir álcool aqui dentro é mais caro. 

- Me dá água, então. 

A mulher olha-o com desprezo. Bebe a água salobra. 

Começa a chover novamente. Ruma até ao calçadão. Andarilhos e mercadores disputam espaços sobre as marquises. Faz frio. A chuva e o vento cortam o seu rosto. “Previsão de futuro”, lê num neon. A placa pende de uma barraca improvisada. Entra. 

Como vou morrer?, perguntou ao feiticeiro. 

O feiticeiro leu o destino do homem em dígitos de plástico retirados de algum teclado do início do século. O primeiro lance, que é o mais aberto, indica as palavras “vim” e “rua”. 

- Ele diz que não é coisa pessoal. Tua morte vai vim da rua. O que for não vai ter a ver com a tua casa ou família. O segundo lance revela dois termos em inglês: “rec” e “few”. 

- O que é isso, pergunta o homem. 

- É “gravação” e... é... “menos”. Não, menos não. “Algum”. Em inglês, “few” é algum”. 

O feiticeiro acendeu novamente a ponta de haxixe. Deu uma baforada. Prendeu. Soltou. 

- Alguma gravação. É isso o que diz. 

- Humm. Entendi. O que mais? 

O feiticeiro recolheu os dígitos, chacoalhou, fechou os olhos e atirou sobre o tabuleiro de vime.- E, Q, U, C... “Que céu”. 

- Que céu? - Isso. 

- Humm. - Diz que tem a ver com as ideia. O que vai por cima da cabeça. É coisa de ideia. Tu vai morrer por conta de alguma gravação que tu publicar. É isso o que a voz do teclado me diz. 

O feiticeiro começou a recolher o material de trabalho. 

- Tá certo. Quanto é? 

- Três. Um por lance. 

- Em crédito ou moeda. 

- Moeda. Só trabalho com dinheiro físico. 

- Toma. Pode ficar com o troco. 

- Deus lhe abençoe. 

O homem não respondeu. Levantou-se do banco dentro da barraca improvisada em pleno calçadão central de Nova Desterro. 

Fazia frio e parecia que voltaria a chover. Outra tempestade. Avistou um café. Entrou. Duas mulheres conversavam. A mais velha tossia muito. Ao ver o homem entrar ambas recolocaram suas máscaras AIr-9.6 

- Bom dia, o que vai ser? 

- O que tem? 

- Álcool e água da torneira. 

- Álcool, por favor.

- Pra consumir aqui ou pra levar. 

- Consumir  aqui. - Pra consumir aqui é mais caro. 

– Tá bom, me dá assim mesmo. –

 A mulher olhou-o com simpatia. Bebeu o álcool. Começou a chover. Rumou até o calçadão. Andarilhos, mercadores disputavam espaços sobre as marquises. Fazia frio. A chuva e o vento cortavam o seu rosto. “Leitura de Sorte e Previsões”, leu numa placa pintada a mão. A placa pendia de uma barraca improvisada. 

Entrará. Como vou morrer?, perguntou à bruxa. O feiticeiro lê destino do homem em dígitos de plástico retirados de algum teclado do século XX. O primeiro lance, que é o mais aberto, indicaria as palavras “vim” e “rua”. O segundo lance revelava dois termos em inglês: “rec” e “few”; O médium acendeu novamente a ponta de haxixe. Deu uma baforada. Prendeu. Soltou. A bruxa recolhia novamente os dígitos, chacoalhava, fechava os olhos e atirava sobre o tabuleiro de vime. - E, Q, U, C... Tu vai morrer por conta de alguma gravação que tu publicar. É isso o que a voz me diz. O feiticeiro começou a recolher o material de trabalho. - O homem respondeu à benção. Levantou-se do banco dentro da barraca improvisada em pleno calçadão central de Florianópolis. Faz frio e parece que vai chover. Outra tempestade. Um café. Entrou. Duas mulheres conversavam. A mais velha tossia muito. Ao ver o homem entrar ambas recolocam suas máscaras. A mulher olhou-o com desejo. Bebeu água salobra com açúcar. Começou a chover. Rumou até o calçadão. Andarilhos, mercadores. Faz frio. A chuva e o vento cortam o seu rosto; “Leitura de futuro”.. A placa pendia de uma barraca improvisada. Entrou. 

- Como vou morrer?,  pergunta.

O vidente levanta sem dizer nada. Procura sua mochila. Abre o bolso mais externo. Encontra algo. 

- Tu me ouviu? Quero uma consulta. 

O outro encontra sua pistola. O homem não tem tempo de compreender o que estava acontecendo. Duas balas acertam sua a cabeça. Três ricochetam no calçamento e uma crava a perna de um transeunte. 

O vidente senta-se e aguarda as viaturas de vigilância e os dois soldados que, ele sabia, quebrar-lhe-iam dois dentes: um molar e o canino.

A polícia não admite assassinatos em áreas de grande circulação pública.

ELOGIO AO POETA

  Neste último sábado, o músico e escritor carioca Rogério Skylab fez dois shows, em sequência, numa mesma noite, no Célula Showcase, aqui e...