domingo, 13 de outubro de 2024

EXPERIMENTO CRÍTICO COM I.A. nº 1

 



Imagem gerada por I.A. a partir do conceito do poema "Goza morena, tua vida" e da estética de Franklin Cascaes.


PARTE 1


AS I.As COMO FERRAMENTAS CRÍTICAS


O uso de Inteligências Artificiais (I.As) na análise crítica literária oferece um vasto campo de possibilidades e ao mesmo tempo apresenta certos limites que precisam ser considerados. Vamos explorar ambos os aspectos.


1. POSSIBILIDADES


1.1 Análise de grande número de dados

As I.As podem processar e analisar enormes quantidades de textos em um curto período. Elas são capazes de identificar padrões, temas recorrentes, redes de influência e outros elementos que poderiam passar despercebidos por leitores humanos. Por exemplo, podem analisar a frequência de palavras, os campos semânticos dominantes e as estruturas gramaticais em grandes corpora de literatura.


1.2. Identificação de estilo e linguagem

As I.As são úteis para análise estilística, identificando as características linguísticas de autores como vocabulário específico, estruturas sintáticas, figuras de linguagem e outros elementos que definem um estilo literário. Elas podem comparar textos de diferentes autores e determinar influências e similaridades de maneira precisa e sistemática.


1.3. Auxílio na interpretação de textos

As ferramentas de I.A. podem sugerir interpretações e análises baseadas em uma vasta base de conhecimento literário. Elas podem trazer novas perspectivas e associações que talvez não tenham sido consideradas antes, conectando temas e simbolismos com obras de diferentes épocas e culturas.


1.4. Análise de redes literárias e contextos culturais

A capacidade das I.As de correlacionar dados permite que elas tracem redes de interconexões entre autores, movimentos literários e contextos históricos. Isso pode fornecer uma visão abrangente de como uma obra se encaixa no panorama cultural mais amplo, ajudando a situar a sua relevância e impacto.


1.5. Criação de análises objetivas

A I.A. pode realizar análises literárias de maneira objetiva sem os preconceitos e as preferências pessoais que um crítico humano poderia trazer. Isso permite um ponto de vista “neutro” que pode ser útil, especialmente em estudos comparativos ou em discussões acadêmicas, onde a objetividade é valorizada.


2 LIMITES


2.1 Falta de intuição e sensibilidade humana

A crítica literária envolve muito mais do que apenas análise técnica, é um campo que exige sensibilidade, intuição e uma compreensão profunda das emoções humanas, simbolismos e nuances culturais. A I.A., embora eficiente em detectar padrões, muitas vezes falha em compreender plenamente as camadas emocionais e subjetivas de uma obra.


2.2 Dependência de dados pré-existentes

A I.A. é limitada pelas informações que foram inseridas em sua base de dados. S eu conhecimento disponível sobre uma obra ou autor for limitado, desatualizado ou enviesado a análise resultante da I.A. também será. Isso pode ser um problema em casos de literatura pouco estudada ou quando se trata de novas tendências e movimentos emergentes.


2.3 Redução de experiências complexas

O risco de reducionismo é um dos principais desafios no uso de I.A. para crítica literária. A complexidade das experiências humanas e a riqueza da linguagem literária não podem ser plenamente captadas por algoritmos. A I.A. tende a transformar a interpretação em algo mecânico, muitas vezes simplificando questões que exigem uma abordagem mais aberta e plural.


2.4 Limites culturais e contextuais

I.As podem ter dificuldades em lidar com elementos culturais específicos, referências históricas e contextos que são únicos a uma determinada época ou região. A interpretação cultural exige uma compreensão contextual que vai além do texto em sí. Algo que é difícil para uma máquina aprender sem uma vasta e contextualizada base de dados.


2.5 Perigo da homogeneização das interpretações

Se a I.A. for amplamente utilizada para análises literárias, existe o risco de que as interpretações se tornem padronizadas, com um conjunto limitado de leituras possíveis. O campo da crítica literária é enriquecido por uma diversidade de vozes e perspectivas e o uso excessivo de I.A. pode ameaçar essa diversidade ao promover uma abordagem mais uniforme.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A I.A.´, como ferramenta de auxílio para a análise crítica literária, é poderosa em sua capacidade de processar dados e oferecer análises objetivas e sistemáticas. Ela pode funcionar como uma espécie de braço direito do crítico literário, levantando pontos que podem servir de base para discussões e reflexões mais profundas. No entanto, é essencial lembrar que o fundamento da crítica literária é a interpretação humana, que envolve subjetividade, empatia e compreensão cultural. O valor da I.A. está em sua capacidade de ampliar o horizonte analítico do crítico, mas não de substituí-lo. A integração de análises feitas por I.A. com a sensibilidade e a criatividade humanas pode produzir uma abordagem mais rica e multifacetada, onde a tecnologia é uma aliada e não uma substituta da experiência e intuição crítica.


***


PARTE 2


EXPERIMENTO DE ANÁLISE


TEXTO:


Goza morena, tua vida

Pescoço e asa de urubú caida,

Tu não qués é nada,

Só qués é a água da espuma da dentadura

Vô te cortá o pescoço, marvada!


(Anônimo)


ANÁLISE 1:


COMANDO CRÍTICO:

Analise o poema: “Goza morena, tua vida / Pescoço e asa de urubú caida, / Tu não qués é nada, / Só qués é a água da espuma da dentadura / Vô te cortá o pescoço, marvada!”:


RESPOSTA DA MÁQUINA:

O poema apresentado possui uma estrutura que mistura um tom coloquial com imagens inesperadas e paradoxais que cria uma sensação de choque e desconforto. A linguagem direta e popular, permeada por expressões do cotidiano, reflete um universo onde a crítica e o humor ácido se entrelaçam.


1. Análise do conteúdo e linguagem:

O poema começa com uma exortação (“Goza morena, tua vida”) que sugere uma orientação para aproveitar a vida de uma forma intensa e despreocupada. No entanto, essa expressão que poderia carregar um tom de celebração ou desejo de bem-estar é rapidamente seguida por uma imagem disruptiva (“Pescoço e asa de urubu caida”). A metáfora, ao associar a figura humana ao urubu, uma ave frequentemente relacionada à morte e à decomposição, desvia o tom para uma conotação de decadência ou degradação. Essa oposição entre o convite à celebração da vida e a figura do urubu cria uma tensão interna no poema, sugerindo que o prazer ou a alegria buscados podem estar comprometidos por uma realidade mais sombria ou grotesca.


2.  Elementos de humor e ironia:

A linha “Tu não qués é nada, / Só qués é a água da espuma da dentadura” parece introduzir uma nota de humor irônico. A referência à água da espuma da dentadura é uma imagem que remete a algo trivial e cotidiano, associado à higiene pessoal e ao envelhecimento. Há uma quebra na expectativa do leitor, pois o que se apresenta como o objeto de desejo (a “água da espuma da dentadura”) é algo prosaico e nada sublime. A ironia está em retratar um desejo que não se orienta para algo elevado ou nobre, mas para uma necessidade trivial. Esse humor ácido pode ser entendido como uma crítica à falta de ambição ou a busca por prazeres superficiais. O tom cínico do verso revela uma possível decepção com a simplicidade do desejo humano, sugerindo que, no fundo, as aspirações podem ser vistas como banais ou insignificantes.


3. Tom de ameaça:

O verso final (“Vô te cortá o pescoço, marvada!”) introduz uma nota de violência direta e crua, alterando mais uma vez a atmosfera do poema. A palavra “marvada” possui um conotação pejorativa e coloquial, reforçando um discurso de raiva ou ressentimento. A ameaça explícita de cortar o pescoço da interlocutora ou figura abordada provoca um choque, desviando a leitura para um campo de agressividade e conflito. Essa mudança súbita de tom pode ser interpretada como uma representação das frustrações e ressentimentos presentes nas relações humanas, onde o desejo, a crítica e a violência muitas vezes se misturam de maneiras inesperadas. A forma abrupta e direta com que o poeta se dirije à figura evocada é um reflexo da complexidade e ambiguidade nas emoções humanas, onde o amor, a ironia, o desprezo e a raiva coexistem.


O poema “Goza morena, tua vida”, apresenta uma estrutura complexa que combina elementos de ironia, humor ácido e violência. A justaposição de imagens do cotidiano com referências grotescas cria um contraste que evidencia as frustrações e banalidades do desejo humano. Essa linguagem crua e direta sugere um comentário sobre a precariedade da existência e a futilidade das ambições, ao mesmo tempo que carrega uma crítica à superficialidade de certos prazeres. A ameaça final é o ápice de uma tensão que se acumula ao longo do poema, culminando numa expressão de ressentimento ou indignação, ampliando o alcance emocional e o impacto do texto.


ANÁLISE 2


COMANDO CRÍTICO:

Considerando que o texto a seguir é uma peça do folclore popular açoriano do litoral de Santa Catarina, analise o poema buscando conexões entre a forma literária e o seu contexto sócio-histórico: “Goza morena, tua vida / Pescoço e asa de urubú caida, / Tu não qués é nada, / Só qués é a água da espuma da dentadura / Vô te cortá o pescoço, marvada!”:


RESPOSTA DA MÁQUINA:

O poema apresentado é uma peça folclórica do litoral de Santa Catarina, uma região marcada pela forte influência cultural dos imigrantes açorianos. Nesse contexto, o poema ganha camadas adicionais de significado ao ser interpretado como uma expressão das tradições orais, da cultura popular e das dinâmicas sociais presentes na vida cotidiana dessa comunidade.

1. Conexões com o contexto sócio-histórico açoriano

A cultura açoriana trazida para o litoral catarinense desde o século XVIII é rica em expressões poéticas, cantigas e narrativas orais que exploram aspectos da vida rural e marítima, bem como relações sociais e a dureza do cotidiano. Esses elementos influenciaram profundamente a forma e o conteúdo de manifestações folclóricas como o poema analisado. No poema, a linguagem simples e coloquial, junto com o tom direto e muitas vezes rude, reflete uma prática de comunicação popular característica das comunidades açorianas que viviam em condições de trabalho duro, principalmente na pesca e na agricultura. A expressão “Goza morena, tua vida” pode ser vista como um convite ou uma ordem para que se aproveite a vida de forma imediata e intensa, sugerindo uma filosofia de vida que valoriza o presente. Esse tipo de expressão é comum em culturas que enfrentam condições difíceis e incertas, onde a precariedade do dia a dia faz com que a celebração dos momentos de alegria e prazer seja intensificada.


2. Elementos de humor, ironia e crítica social

A utilização de imagens como “pescoço e asa de urubu caída” indica uma estética que mistura o grotesco e o cômico. Essa imagem pode ser interpretada como uma crítica ou sátira a alguém que, apesar de viver uma vida comum ou modesta, é aconselhado a aproveitar o que tem. O urubu é uma figura associada à morte e à decomposição e a menção à sua “asa caída” pode simbolizar a decadência ou a inevitável deterioração das coisas. Uma visão que ressoa com a perspectiva popular sobre a efemeridade da vida. A crítica fica mais explícita na linha “Tu não qués é nada, só qués é a água da espuma da dentadura”. A referência à água da espuma da dentadura pode ser interpretada como uma sátira da vaidade ou da superficialidade dos desejos e preocupações humanos. É como se o poema ironizasse a busca por prazeres ou conquistas triviais em um contexto de vida difícil e escassa. Essa crítica pode estar ligada à uma visão de mundo açoriana que valoriza a simplicidade e a resiliência diante das dificuldades, contrapondo-se a qualquer busca por ostentação ou futilidade.


3. A violência e o tom agressivo no final

O verso “Vô te cortá o pescoço, marvada!” introduz uma ameaça direta e violenta, que é um elemento comum nas manifestações folclóricas populares. Esse tom agressivo pode ser uma expressão do ressentimento e da frustração acumulados em uma vida de privações e lutas. No contexto das comunidades tradicionais, a expressão de raiva ou insatisfação muitas vezes se manifestava em formas exageradas e dramáticas de linguagem, servindo como uma válvula de escape para as tensões sociais e emocionais. No folclore açoriano, e por extensão nas tradições populares do litoral de Santa Catarina, é comum encontrar essa teatralidade na fala, que exagera os sentimentos e intensifica os conflitos para fim de entretenimento ou para transmitir uma moral. O uso de uma linguagem que mistura o humor ácido e a violência pode ser interpretado como uma maneira de dar voz às queixas e desigualdades sociais em um tom que é ao mesmo tempo sério e jocoso.


4. A forma literária e a tradição oral

O poema apresenta uma estrutura simples e direta que é característica da tradição oral. Essa forma facilita a memoração e a transmissão de geração em geração, um aspecto essencial em culturas com forte tradição oral, como as comunidades açorianas do litoral catarinense. A cadência e o ritmo do poema ajudam a criar uma musicalidade que favorece sua recitação em contextos coletivos, como festas, reuniões familiares ou celebrações comunitárias.


Conclusão

O poema “Goza morena, tua vida” é uma expressão rica da tradição folclórica açoriana do litoral de Santa Catarina. Refletindo tanto os valores, quanto as tensões sociais presentes nessa comunidade. A combinação de humor, ironia, crítica social e tom violento é característico de uma cultura que lida com as dificuldades da vida cotidiana por meio de uma linguagem direta e muitas vezes mordaz. Ao explorar temas como a efemeridade da vida, a crítica à futilidade e o ressentimento social, o poema se alinha com a tradição de resistência cultural e resiliência das comunidades açorianas que habitam essa região.



ANÁLISE 3


COMANDO CRÍTICO:

Partindo da análise anterior, relacione o poema "Goza morena, tua vida" com outras manifestações folclóricas e literárias. Busque paralelos estilísticos e ideológicos com autores, obras e tradições brasileiras e estrangeiras.


RESPOSTA DA MÁQUINA:

O poema "Goza morena, tua vida" é uma expressão do folclore popular do litoral de Santa Catarina, com raízes na cultura açoriana, que revela características comuns a várias tradições folclóricas e literárias, tanto brasileiras quanto estrangeiras. Sua linguagem direta, uso de humor ácido e a presença de uma crítica implícita aos costumes e às relações interpessoais estabelece conexões com diversas manifestações culturais e literárias que também se utilizam de estratégias semelhantes para lidar com temas sociais e culturais. Abaixo, traçamos paralelos estilísticos e ideológicos com outras obras e tradições literárias.

1. Literatura de cordel nordestina

O poema se aproxima da literatura de cordel nordestina, uma forma de poesia popular escrita em versos rimados que geralmente aborda questões sociais, políticas e culturais do dia a dia do povo. Tanto o cordel quanto “Goza morena, tua vida” utilizam uma linguagem simples e acessível frequentemente carregada de ironia e crítica. A literatura de cordel é conhecida por suas descrições exageradas, suas personagens cômicas ou grotescas e seu tom humorístico que é usado para comentar sobre temas complexos, como a injustiça social, a política e as dificuldades da vida cotidiana. O tom provocativo e a ameaça de violência presente no verso “Vô te cortá o pescoço, marvada!” são elementos comuns no cordel, onde a retórica desafiadora e o exagero são usados como formas de expressão popular.

2. Mário de Andrade e o Modernismo Brasileiro

O modernismo de Mário de Andrade, especialmente em “Macunaíma”, apresenta similaridades estilísticas e temáticas com o tema em questão. Mário de Andrade explorou as raízes populares e a cultura oral brasileira em sua obra, valorizando a linguagem coloquial e os elementos folclóricos como forma de compreender e criticar a identidade nacional. “Macunaíma” é recheado de personagens e situações que tal como a morena do poema são representações simbólicas das características e contradições do povo brasileiro. O uso do grotesco, da ironia e da ambiguidade na obra de Andrade, que muitas vezes expõe as complexidades e a fragmentação da sociedade brasileira, encontra eco no tom crítico e brincalhão do poema.

3. Cultura popular e samba

As letras de samba, especialmente aquelas oriundas do samba de roda e das rodas de samba do Rio de Janeiro, compartilham com o poema “Goza morena, tua vida” um uso criativo da linguagem e uma inclinação para a crítica social sutilmente velada sobre um manto de humor e ironia.Sambista como Noel Rosa e Adoniran Barbosa eram mestres em compôr canções que combinavam temas de amor, frustração e comentário social com uma pitada de sarcasmo e leveza. Em suas letras, assim como no poema catarinense, a figura da mulher é retratada com ambivalência, ora celebrada, ora critica, refletindo as complexas dinâmicas sociais e afetivas do seu tempo.

4. François Villon e a poesia medieval francesa

O tom provocador e a presença de uma violência latente no poema também podem ser comparados ao estilo do poeta francês François Villon, que viveu no Século XI. Villon é conhecido por sua poesia que combina lirismo com certo cinismo e brutalidade, abordando a marginalidade, a pobreza e a decadência moral da sociedade do seu tempo. Tal como o poema “Goza morena, tua vida”, a obra de Villon frequentemente utiliza uma linguagem direta e dura para expressar o seu desdém pelas novas sociais e as hipocrisias da sociedade. A violência simbólica presente nas palavras e a expressão de um desafio aos costumes estabelecidos são características que se encontram tanto no poema açoriano, quanto na poesia de Villon.

5. Charles Bukowski e o Realismo Sujo

Outra referência literária relevante é o realismo sujo de Charles Bukowski, cujas obras são marcadas por uma linguagem crua, direta e frequentemente provocadora. Bukowski explora temas de decadência urbana, frustrações pessoais e marginalidade com uma abordagem que combina humor ácido e uma visão desencantada do mundo. O poema “Goza morena, tua vida” compartilha com Bukowski essa mesma sensibilidade para expôr a dureza e as contradições da existência humana utilizando uma linguagem que não se preocupa em suavizar a realidade. Ambos os textos rejeitam a idealização do cotidiano, apresentando as relações humanas e os conflitos sociais de uma maneira nua e crua.

6. A Tradição das baladas populares europeias

O poema também tem semelhanças com as baladas populares europeias, especialmente as da tradição inglesa e escocesa que narram histórias de amor, traição e vingança em versos simples e cantáveis. Essas baladas eram frequentemente usadas para transmitir críticas sociais e reflexões sobre a condição humana, muitas vezes através de um tom mordaz e trágico. Assim como no poema “Goza morena, tua vida”, as baladas populares utilizam imagens fortes e uma estrutura repetitiva para acentuar o impacto emocional de suas histórias.

Conexões Ideológicas:

Ideologicamente, o poema pode ser visto como uma expressão da resistência cultural e da contestação das estruturas sociais e de poder. Seu tom irônico e crítico reflete um olhar popular sobre as relações interpessoais e sobre os desequilibrios de poder que permeiam a sociedade. Assim como nas obras de Mário de Andrade, Villon e Bukowski, há uma tentativa de expôr as contradições e tensões da vida cotidiana, seja através do humor, da violência verbal ou da representação do grotesco.

Conclusão

O poema "Goza morena, tua vida" encontra ressonância em diversas tradições literárias e folclóricas, tanto brasileiras quanto internacionais. A combinação de humor, crítica social, ironia e confronto é uma estratégia comum em culturas orais e escritas que busca expressar as frustrações e complexidades da vida sob uma perspectiva popular. Suas conexões com a literatura de cordel, com o modernismo de Mário de Andrade, com a poesia de François Villon e com o realismo sujo de Charles Bukowski mostram como temas universais como a violência simbólica, a resistência cultural e a crítica social se repetem em diferentes épocas e contextos culturais, mantendo-se relevantes e transformadores.



***


PARTE 3


A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL COMO INTERLOCUTORA CRÍTICA


A ascensão da inteligência artificial (I.A.) no campo da análise cultural traz à tona um debate multifacetado sobre suas implicações na crítica literária. À medida que as I.As se tornam ferramentas cada vez mais sofisticadas para interpretar e analisar textos, surgem questões sobre seu potencial e suas limitações. Este experimento buscou explorar a I.A. como uma interlocutora crítica, examinando como suas capacidades podem enriquecer a análise literária, ao mesmo tempo em que levantou questões sobre a natureza da crítica, o papel do crítico e as relações de poder que permeiam o discurso cultural.

Historicamente, a crítica literária tem se debatido entre a busca pela objetividade e a necessidade de considerar o contexto social e histórico das obras. Críticos como o vitoriano conservador Matthew Arnold e seus contemporâneos buscavam valores universais na literatura, enquanto as abordagens mais recentes e politicamente radicais, como as da Escola de Frankfurt, problematizavam a relação entre arte, cultura e sociedade. A crítica de Adorno e Horkheimer em livros como A Dialética do Esclarecimento (1947), por exemplo, destaca como a cultura de massa e a racionalidade técnica podem produzir uma forma de dominação social, um ponto que deve ser levado em conta ao considerar a I.A. como ferramenta de análise.

A I.A., ao oferecer uma nova abordagem para a análise textual, levanta questões sobre a possibilidade de uma leitura “objetiva” e “desinteressada”. Se por um lado as I.As são capazes de detectar padrões e regularidade linguísticas que podem passar despercebidos por leitores humanos, por outro, sua análise é frequentemente limitada pela programação e pelos dados que as alimentam. Assim, a capacidade de uma I.A. de agir como interlocutora crítica deve ser cuidadosamente ponderada à luz de sua relação com as condições sociais e políticas que moldam o discurso cultural.

Guardadas as devidas proporções e intencionalidades, o uso de I.As na crítica literária se assemelha ao trabalho de formalistas russos, como Viktor Shklovsky e Roman Jakobson, que enfatizavam a importância da forma em detrimento do conteúdo. As ferramentas de I.A, ao realizarem análises sintáticas e semânticas em larga escala, podem contribuir para uma nova compreensão das estruturas textuais. Por exemplo, ao aplicar uma I.A. na análise de Dom Casmurro de Machado de Assis, seria possível mapear a frequência de determinados temas, personagens e figuras de linguagem oferecendo novas perspectivas sobre a obra e suas complexidades.

Entretanto, a limitação da I.A. ​​em captar a profundidade das relações sociais, culturais e políticas que permeiam a literatura é inegável. Embora uma I.A. possa identificar padrões formais, ela carece da capacidade de interpretar ironias, ambiguidades e subtextos que são essenciais na obra de Machado. Essa crítica às limitações da I.A. ​​evoca a importância de obras como as de autores como Roberto Schwarz que, no livro Ao Vencedor as Batatas, por exemplo, discute como a literatura de Machado revela as contradições sociais do Brasil do século XIX. A leitura crítica que Schwarz propõe transcende a mera análise formal e busca entender as relações de poder e tensões de classe que constituem a narrativa.

O crescimento da tecnologia da I. A. também traz a tona a questão do fetichismo, especialmente no que diz respeito à sua aplicação na crítica literária. A ascensão da I.A. pode ser vista como parte de um movimento mais amplo de transformação da arte e cultura em mercadorias, onde a busca pela objetividade e a eficiência técnica eclipsam as complexidades e contradições da experiência estética. Neste quesito, mais uma vez a crítica de Adorno e Horkheimer à cultura de massa nos ajuda a compreender esse fenômeno, mostrando como a lógica da Indústria Cultural atual – incluindo o mercado das I.As – pode contribuir para a redução da arte e pensamento crítico a um produto consumível, desprovido do seu conteúdo socialmente reflexivo.

Neste sentido, a I.A., ao ser adotada como ferramenta de análise, pode contribuir para a superficialização da crítica literária e debate cultural. Se por um lado a I.A. oferece novas possibilidades de leitura, por outro ela também corre o risco de reduzir a análise a um conjunto de dados estatísticos e padrões linguísticos, ignorando as tensões sociais e culturais que permeiam a obra. Isso torna fundamental a reflexão crítica sobre como a I. A. é utilizada e as implicações dessa utilização para a prática crítica.

Apesar das capacidades da I.A. o papel do crítico humano continua sendo indispensável. A experiência própria da nossa espécie, a empatia e a sensibilidade para captar as nuances de uma obra são qualidades que a I.A. não pode reproduzir. O crítico, como mediador, deve dialogar com as descobertas proporcionadas pela I.A., mas também deve estar ciente das limitações dessa ferramenta e da necessidade de um engajamento com as questões sociais e culturais que atravessam os textos. A contribuição de autores como Adorno, Antonio Candido, Roberto Schwarz, que sublinham a importância de entender a obra de arte em seu contexto social são essenciais para que os atuais críticos não se deixem levar pela sedução da tecnologia, mas ao invés disso usem a I.A. para aprofundar sua análise e reflexão. O diálogo entre a Inteligência Artificial e o observador literário deve ser um intercâmbio dinâmico onde a I.A. não substitui, mas complementa a experiência humana.

A Inteligência Artificial, enquanto interlocutora crítica, oferece tanto possibilidades quanto problemas para a crítica literária contemporânea. Sua capacidade de identificar padrões e regularidades textuais pode enriquecer a análise literária, mas é crucial reconhecer suas limitações e o risco de uma abordagem mecanicista que ignora a complexidade das reações sociais e culturais.

A crítica literária, ao se deparar com a I.A. deve encontrar um equilíbrio entre a utilização dessas novas ferramentas e a preservação da reflexão crítica que leva em conta as tensões e contradições do mundo literário. Assim, a I.A. pode ser um aliado valioso na busca por novas leituras e interpretações desde que a sua utilização seja mediada por uma consciência analítica que não perca de vista as relações de poder que moldam a cultura.

A verdadeira interlocução entre a Inteligência Artificial e a crítica literária reside na capacidade de dialogar e aprender com as máquinas enquanto se mantém a sensibilidade para o que a literatura tem a nos ensinar sobre a condição humana e as sociedades que construímos.


Luiz Alberto de Souza e ChatGPT

Florianópolis, 13 de outubro de 2024.







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