terça-feira, 15 de outubro de 2024

TRÊS REFLEXÕES SOBRE ANACRONIA

 



I


ANÁLISE DO “MANIFESTO DA ARTE ANACRÔNICA”



Luiz Alberto de Souza

Historiador e escritor


Chat GPT

Modelo de Inteligência Artificial Open AI



O texto “Manifesto da Arte Anacrônica”, assinado por Gang do Lixo, apresenta uma reflexão crítica sobre o conceito de anacronia e a condição contemporânea abordando questões políticas, estéticas e éticas dentro de um contexto globalizado. A análise pode ser feita a partir de três eixos principais: a ideia de anacronia como característica cultural e histórica, o colapso das noções de centro e periferia na cultura contemporânea e a crítica à sociedade de consumo e à condição pós-moderna.


1. Anacronia e temporalidade

O termo “anacronia” é central no texto, sendo definido como um deslocamento temporal que coloca elementos de diferentes épocas em diálogo ou em choque. Os autores rejeitam a definição convencional de anacronia como simples atraso ou retrocesso argumentando que essa mistura de tempos é uma característica essencial da cultura brasileira e de todas as sociedades periféricas. A ideia é que, desde o início da colonização, o Brasil foi moldado por uma defasagem em relação às metrópoles europeias, vivendo sempre em uma temporalidade descompassada. Essa perspectiva dialoga com conceitos desenvolvidos por teóricos como Walter Benjamin, que explorou a ideia de temporalidades interrompidas e a necessidade de redescobrir os tempos passados no presente. Benjamin falava do “tempo-de-agora” (Jetztzeitcomo um momento de condensação temporal onde passado e presente se fundem, uma ideia semelhante à mistura de tempos que o texto explora. A anacronia, portanto, não é apenas um atraso, mas uma prática estética e histórica que revela as contradições e tensões do presente.


2. O colapso de centro e periferia

O texto também discute a dissolução das distinções entre centro e periferia, sugerindo que vivemos em uma civilização global de fragmentos e despojos, onde todas as culturas são igualmente marginais. Essa ideia de uma “favelização universal das culturas” desafia a noção tradicional de hegemonia cultural e aponta para uma nova forma de cosmopolitismo fragmentado. Essa visão se alinha com os pensamentos de Stuart Hall e Homi K. Bhabha, que investigam como a globalização e o pós-colonialismo criaram uma cultura híbrida onde as identidades são constantemente negociadas e transformadas. No contexto contemporâneo, não há mais uma única narrativa dominante, mas uma multiplicidade de vozes e temporalidades que se entrecruzam, refletindo a experiência de viver em um mundo que é simultaneamente global e local.


3. Crítica à sociedade de consumo e à distopia contemporânea

O texto faz uma crítica contundente à sociedade do consumo e à condição pós-moderna utilizando metáforas de degradação como o “chorume cultural” para descrever a produção de arte e cultura na contemporaneidade. A referência ao consumo de “lixo cultural” e a busca por “likes” aponta para a superficialidade da cultura digital e a perda de uma dimensão crítica e reflexiva. Essa crítica ecoa a análise de Guy Debord, em A sociedade do espetáculo, onde ele argumenta que a vida moderna é mediada por imagens e que as relações sociais são transformadas em representações espetaculares. A ideia de que estamos presos em uma repetição cínica e anacrônica de padrões culturais e históricos também ressoa com o conceito de “simulacro”, de Jean Braudilard, que sugere que a realidade contemporânea é substituída por uma hiper-realidade onde as distinções entre real e falso se tornam indistinguíveis.


4. Anacronia como resistência e criação artística

O texto propõe a anacronia como uma prática estética e política que permite uma forma de resistência à linearidade imposta pelo capitalismo e pelo progresso tecnológico. Ao reivindicar a anacronia como “nossa”, o autor sugere uma apropriação criativa do passado e uma reconfiguração constante do presente e do futuro. Essa abordagem lembra a prática antropofágica defendida por Oswald de Andrade que propunha a devoração cultural como uma forma de reapropriação e transformação das influências estrangeiras. Oswald via a antropofagia como uma maneira de libertar o Brasil das imposições culturais coloniais e, de certa forma, o texto contemporâneo expande essa ideia ao aplicar a anacronia a uma escala global e digital. Reivindicar a anacronia é, portanto, uma maneira de criar uma arte que se recusa a ser domesticada pelo presente contínuo e pela lógica do consumo, buscando novas formas de expressão que desafiam as normas estabelecidas.


5. Ironia e humor como ferramentas de crítica

O uso do humor ácido e da ironia no texto é uma estratégia para desestabilizar conceitos e valores tradicionais, expondo as contradições do discurso dominante. Comparações como Adolf Hitler como primeiro “rock star” e o “mashup é o novo soneto” subvertem as expectativas culturais e apontam para a constante reinvenção de gêneros e identidades na era digital. Esse tipo de abordagem lembra a escrita de David Foster Wallace e Don DeLillo, autores que exploraram a banalização e a fragmentação da cultura contemporânea através de um olhar cínico e autocrítico.


Conclusão

O texto apresenta uma visão crítica e complexa da condição contemporânea através do conceito de anacronia, argumentando que nossa percepção do tempo e da história está em constante transformação. Ao conectar essa ideia com tradições culturais brasileiras, como a Antropofagia e teorias pós-modernas, como as de Debord e Baudrillard, os autores oferecem uma reflexão sobre as dinâmicas de poder, a produção cultural e as possibilidades de resistência estética. A anacronia emerge, assim, não apenas como uma característica do nosso tempo, mas como uma ferramenta política para questionar e reiventar as narrativas dominantes e a própria ideia de progresso.



II


ANACRONIA: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA



O Manifesto da Arte Anacrônica apresenta um conceito de história e historiografia que rompe com a visão tradicional de linearidade e progresso contínuo, propondo uma abordagem fragmentada, complexa e crítica do tempo e dos processos históricos. O Manifesto defende a ideia de anacronia como uma característica intrínseca da experiência contemporânea, marcada por múltiplas temporalidades coexistindo simultaneamente. Essa perspectiva se conecta com diversas correntes ideológicas, políticas e historiográficas do passado e do presente criticando as narrativas dominantes sobre a história e a cultura.


1. História como anacronia e fragmentação

O Manifesto se baseia na ideia de que a história não segue um curso linear e evolutivo, mas é marcada por uma descontinuidade e sobreposição de tempos e experiências. Ele sugere que diferentes épocas se influenciam mutuamente e que o presente é uma colagem de fragmentos de passados diversos reinterpretados e reapropriados de maneiras novas e inesperadas.

Essa abordagem é contrária às concepções tradicionais da historiografia iluminista e positivista que promovem uma ideia de progresso e evolução linear da Humanidade. Em vez disso, o Manifesto abraça uma visão de temporalidade em que os eventos históricos se interpenetram e se transformam questionando a noção de um desenvolvimento previsível e racional.


2. Influência e conexões historiográficas


2.1 Walter Benjamin e a crítica à linearidade

Uma influência clara no conceito de história do Manifesto é o pensamento de Walter Benjamin, especialmente sua noção de Jetztzeit (tempo-de-agora) e suas críticas à história como um progresso contínuo. Benjamin via a história como uma série de momentos de choque e interrupção que rompem a sequência temporal, permitindo que o passado e o presente se iluminem mutuamente. O Manifesto ecoa essa perspectiva ao enfatizar a importância de uma leitura anacrônica da história que reconhece a coexistência de diferentes tempos e a revisitação crítica do passado.


2.2 Michel Foucault e a “arqueologia do saber”

O Manifesto também dialoga com as ideias de Michel Foucault sobre a genealogia e a arqueologia do saber, que rejeitam a ideia de uma história linear e acumulativa. Para Foucault, a história é marcada por rupturas, descontinuidades e pela emergência de diferentes formas de poder e saber em contextos específicos. O conceito de anacronia do Manifesto reflete essa abordagem ao propôr que as temporalidades históricas não se desenvolvem de maneira uniforme, mas se sobrepõem e se fragmentam.


3. Relação com correntes ideológicas e políticas


3.1. Pós-colonialismo e crítica ao eurocentrismo

O Manifesto aborda a anacronia como uma característica das culturas periféricas, especialmente em relação ao colonialismo e ao imperialismo. Essa perspectiva se alinha com a teoria pós-colonial que critica a imposição de uma narrativa histórica eurocêntrica que marginaliza as experiências e temporalidades das culturas não-ocidentais. Pensadores como Edward Sayd e Homi Babha discutiram como o colonialismo impôs uma estrutura temporal que posiciona as culturas colonizadas como “atrasadas” em relação às metrópoles europeias. O Manifesto reivindica a anacronia como uma forma de resistência a essa interpretação hegemônica, valorizando as temporalidades fragmentadas e divergentes das periferias.


3.2. Teoria crítica e crítica ao progresso

O Manifesto também se conecta com a teoria crítica desenvolvida pela Escola de Frankfurt, especialmente com a obra de Theodor Adorno e Max Horkheimer. Em Dialética do Esclarecimento, eles criticaram a ideia de progresso como uma construção ideológica que justifica a dominação e a alienação na sociedade moderna. O Manifesto da Arte Anacrônica reverbera essa crítica ao sugerir que a história linear e a ideia de progresso são ferramentas de controle e manipulação que servem legitimar as desigualdades e perpetuar as estruturas de poder existentes.


4. Historiografia contemporânea e histórias críticas

Os trabalhos de historiadores críticos contemporâneos como Josep Fontana, Carlos Aguirre Rojas e Carlos Barros possuem pontos de contato com as ideias expressas no Manifesto, especialmente no que se refere à crítica das estruturas de poder, a importância do contexto histórico e a utilização do tempo como um elemento de análise e subversão.


4.1. Josep Fontana (Barcelona, ​​1931 - Barcelona, ​​2018)

Fontana defendia uma análise histórica que não fosse neutra, mas que se engajasse em um projeto social e político, compreendendo a história como uma ferramenta para a transformação social. Esse pensamento se alinha com a ideia expressa no Manifesto de que “nossa percepção dos tempos e os próprios tempos históricos em si estão sendo modificados e isto é um ato político com consequências éticas e estéticas”. Fontana possivelmente veria a anacronia como uma oportunidade para questionar e criticar as ideologias dominantes usando a história para criar estratégias de luta a favor da justiça social.


4.2. Carlos Aguirre Rojas (Cidade do México, 1955)

Como seguidor da tradição crítica da Escola dos Annales e crítico do capitalismo contemporâneo, Aguirre Rojas dialoga com a perspectiva do Manifesto que denuncia a “favelização universal das culturas” e a crítica das estruturas de poder econômico e político globais. Sua análise histórica de longa duração e a ênfase nas desigualdades socioeconômicas, refletem a ideia de que “uma teoria da arte que valha alguma coisa deve refletir o desenvolvimento histórico do seu objeto” indicando que a história e a arte não podem ser separadas das condições sociais e políticas que as moldam.


4.3. Carlos Barros Guimeráns (Vigo, 1946)

O historiador espanhol e diretor do projeto “Historia a Debate”, com seu conceito de “história imediata”, propõe uma análise ativa e contemporânea dos eventos históricos buscando compreender os tempos atuais através do prisma da história. Essa abordagem se encaixa na noção de anacronia como “a invasão de uma época em outra” e na mistura dos tempos, pois propõe que o passado, o presente e o futuro estão interligados e devem ser analisados conjuntamente. Barros também vê o papel do historiador como alguém que intervém diretamente no debate público, o que ecoa a ideia do Manifesto de que não há mais centro, não há mais periferia, sugerindo um colapso das distinções temporais e geográficas em uma sociedade global fragmentada.


Esses são três historiadores que compartilham uma perspectiva crítica sobre a história que, no essencial, se alinha com a proposta do Manifesto de rejeitar uma visão linear e simplista do tempo em favor de uma compreensão que abraça a complexidade e a sobreposição de temporalidades.



5. Influências artísticas e movimentos culturais


5.1. Antropofagia Modernista

O Manifesto estabelece uma conexão direta com a Antropofagia Modernista brasileira, proposta por Oswald de Andrade no início do século XX. A antropofagia cultural era uma proposta de devorar influências estrangeiras para criar algo novo, brasileiro e único. O Manifesto amplia essa ideia ao reivindicar a anacronia como uma forma de devorar temporalidades passadas e presentes, misturando-as e transformando-as numa nova expressão cultural que desafia as convenções.


5.2. Pós-modernismo e mashup

O Manifesto também está alinhado com as práticas artísticas do pós-modernismo que frequentemente utilizam a citação, o pastiche e o mashup para criarem novas obras a partir de elementos do passado. O texto sugere que o mashup é o novo soneto, indicando que a mistura de estilos e temporalidades é uma forma de arte contemporânea que reflete a fragmentação e a sobreposição de experiências na era digital. Essa abordagem ressoa com a estética pós-moderna de desconstrução e recombinação que confronta as noções de autenticidade e originalidade.


Conclusão

O Manifesto da Arte Anacrônica propõe uma visão de história e historiografia que é essencialmente não-linear, fragmentada e crítica das narrativas dominantes de progresso e desenvolvimento. Ele se alinha com diversas correntes ideológicas e historiográficas, como o pós-colonialismo, a teoria crítica e as tendências atuais da historiografia crítica e se inspira em tradições artísticas como a Antropofagia Modernista e o Pós-modernismo. Ao reivindicar a anacronia como uma prática estética e política, o Manifesto se opõe a homogenização temporal e cultural promovida pelo capitalismo tardio global propondo uma forma de arte que abraça a complexidade, a multiplicidade e a resistência a todas as formas de autoritarismo.




III



ANACRONIA E DESCOMPASSO TEMPORAL NA FORMAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA



Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.”


- Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel, comunicando o descobrimento da Ilha da Vera Cruz (1500)




A formação da literatura brasileira é marcada por um constante jogo de forças entre centro e periferia onde a anacronia, a sobreposição e mistura de diferentes temporalidades, emerge como elemento central. Desde o período colonial nossa produção literária tem sido moldada por um descompasso entre a cultura hegemônica europeia e as realidades locais. Este estudo explora como essa dinâmica influenciou a construção da literatura brasileira partindo das cartas de descoberta até as vanguardas do modernismo e adentrando na contemporaneidade.


1. O início anacrônico: A Carta de Caminha

A gênese da literatura brasileira, frequentemente associada à Carta de Pero Vaz de Caminha (1500), é um exemplo paradigmático de anacronia. Este texto fundacional, escrito por um português que reportava as suas impressões ao rei, inscreve o Brasil como um território narrado através dos olhos da Europa. O olhar europeu projetava no Novo Mundo expectativas e descrições que mais refletiam suas próprias necessidades e interesses do que a realidade local. Na Carta, os indígenas são descritos como seres exóticos vivendo em um estado de natureza primitiva em contraste com a civilização europeia. Este relato, ao colocar a cultura indígena em um tempo histórico anterior ao do invasor branco cristão, estabelecia desde o início a ideia de que o Brasil deveria evoluir seguindo o modelo europeu. Essa imposição de uma linha temporal única e hierárquica, que coloca o centro (Europa) no presente e a periferia (Brasil) no passado é um exemplo claro de anacronia cultural e narrativa.


2. Séculos de descompasso: Barroco, Arcadismo e Romantismo

Durante os séculos seguintes o descompasso temporal continuou a ser uma caractéristica da literatura brasileira.

No período Barroco, escritores como Gregório de Mattos e Padre Antônio Vieira enfrentaram a tarefa de adaptar formas e estilos europeus às realidades coloniais. Mesmo ao adotar as convenções estéticas barrocas, suas obras refletem uma tentativa de articular as contradições e a complexidade de um Brasil que não se encaixava perfeitamente nos moldes importados.

O Arcadismo, que se desenvolveu no Século XVIII, reforça ainda mais essa dinâmica anacrônica. Inspirados pelo Neoclassicismo europeu, os poetas árcades brasileiros idealizavam um mundo pastoril e harmonioso em completa desconexão com a realidade do Brasil colonial, marcado pela exploração econômica, pela escravidão e por profundas desigualdades sociais. A anacronia aqui se manifesta como um deslocamento de valores e estéticas que ignoravam os conflitos e tensões sociais que realmente definiram a experiência colonial.

No Século XIX, o Romantismo brasileiro, representado por autores como José de Alencar e Gonçalves Dias, começa a buscar uma identidade nacional distinta, mas ainda sob a influência das formas e temas europeus. Enquanto os românticos europeus celebravam a natureza e a subjetividade, os brasileiros adaptavam esses temas para criar uma mitologia nacional frequentemente idealizando o indígena como o “bom selvagem”, uma figura já afastada da realidade e transformada em símbolo nacionalista. Mais uma vez o Brasil é posicionado como um eco de uma experiência cultural que se origina na Europa.


3. Modernismo: a Anacronia como resistência

É no Modernismo, a partir da Semana da Arte Moderna que a anacronia se torna uma ferramenta deliberada de resistência e redefinição cultural. Os modernistas brasileiros como Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral reconhecem e exploram conscientemente essa defasagem cultural entre centro e periferia. Ao invés de tentar eliminar o atraso cultural, eles o abraçam como uma forma de contestar e reinventar a tradição. A Antropofagia, proposta por Oswald de Andrade, é uma metáfora brilhante para essa apropriação anacrônica. O movimento antropofágico sugere que a cultura brasileira deve devorar as influências estrangeiras, transformando-as e incorporando-as em algo genuinamente novo. Nesse sentido, a anacronia é reivindicada como uma prática criativa, onde a mistura de tempos e estilos se torna uma forma de resistência ao colonialismo cultural e uma maneira de afirmar a singularidade da experiência brasileira.


4. Contemporaneidade: Anacronia e Globalização

Na literatura contemporânea, a anacronia continua a ser um tema central. A produção literária brasileira hoje enfrenta um novo tipo de descompasso temporal, marcado pela globalização e pela influência das tecnologias digitais.

A coexistência de tradições locais com uma cultura global dominante cria uma sobreposição de tempos e espaços que define a experiência cultural no Brasil. A arte e literatura atual, muitas vezes caracterizadas pela fragmentação e pelo hibridismo, dialogam dialeticamente com um mundo onde as fronteiras entre centro e periferia se tornam cada vez mais nebulosas. Poetas, escritores contemporâneos e músicos como Fausto Fawcett (Santa Clara Poltergeist, 1990), Carlos Henrique Schroeder (As fantasias eletivas, 2014), Rogério Skylab (Fora da Grei, 1992) ou artistas visuais/programadores como Paulo Villalva (Purgatório de Virgílio, 2022) abordam muitas vezes em suas produções a fusão entre o novo e o tradicional ou arcaico, o central e o periférico, o marginal e o institucionalizado. Esse tipo de tratamento pode ser compreendido como uma continuação e uma reinterpretação das percepções modernistas de anacronia agora aplicadas a um cenário de distopia e de hiperconectividade global.


Conclusão

A anacronia e o descompasso temporal são elementos estruturais na formação da literatura brasileira, desde a Carta de Caminha até os dias de hoje.

Esses elementos revelam uma trajetória marcada por tentativas de adaptar modelos estrangeiros às realidades locais e por uma resistência criativa que transforma o descompasso cultural em uma forma de inovação e identidade.

A literatura brasileira, portanto, pode ser vista como uma prática constante de negociação com o tempo onde o presente é continuamente reinventado através de um diálogo crítico com o passado e com as influências globais.

Essa condição anacrônica é paradoxalmente a fonte da nossa originalidade e da nossa capacidade de resistência simbólica, permitindo-nos transformar a nossa experiência de marginalidade com relação ao sistema cultural internacional em uma história de reinvenção e recriação crítica constante dos mais diferentes produtos e ideias.

Nunca fomos tão contemporâneos.

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