sexta-feira, 2 de maio de 2025

22. UM TRIBUTO AO GRANDE C.O.

 


UM TRIBUTO AO GRANDE C.O.


“ '0 rei está nu! O rei está nu!!' - começou a gritar o povo. E o rei ouvindo, fez um trejeito, pois sabia que aquelas palavras eram a expressão da verdade, mas pensou: 'O desfile tem que continuar!!' E, assim, continuou mais impassível que nunca e os camaristas continuaram, segurando a sua cauda invisível."

- Hans Christian Andersen ("A Roupa Nova do Rei", 1837).


Quando o primeiro módulo de exploração cruzou a atmosfera do planeta antigamente chamado Terra (hoje EDISON-1) verificou-se imediatamente o nível de toxidade do lugar.

- Vocês tem certeza de que isto é uma boa ideia? *, perguntou o piloto à nave-mãe.

- Apenas desça, respondeu uma voz no rádio.

A quantidade de radiação e gases letais verificados eram suficientes para matar até mesmo uma barata marciana. As montanhas de vidro, polietileno e outros detritos compunham um horizonte dominado por um céu agora desprovido algo que poderia ser chamado “camada de ozônio”.

- Cretinos, disse o cosmonauta depois de desligar o comunicador.

Chamava-se X CC O – X, mas, em casa ou informalmente, chamavam-no apenas “Xis”.

Xis não gostava do seu trabalho, mas precisava pagar seus créditos de oxigênio.

- Olá!?

O som da voz do explorador espacial reverberava pela vastidão das ruínas.

- Tem alguma coisa viva nesta maldita lixeira?

Nenhuma resposta. O cosmonauta ligou o comunicador portátil.

- Unidade de exploração para nave-mãe, acabo de realizar varredura completa de toda a superfície. Só achei montanhas de polietileno e vidro. Nenhum registro de atividade biológica ou similares. Solicito permissão para retornar a bordo.

- Permissão negada, respondeu o comando da missão, não podemos retornar à base sem comprovação de pouso. Encontre qualquer coisa que sirva e traga para nós.

O cosmonauta olhou ao redor. No chão viu um objeto pequeno e quadrangular. Fez o teste com o espectrofotômetro e verificou a composição química do vestígio. O contador Geiger também não acusou nada que impedisse a coleta. O objeto não era letal.

- Certo. Já achei. Podem me levar de volta.

A liberação das comportas do módulo veio na seqüência do click do comunicador.

No salão principal do palácio o cérebro de Elon Musk flutuava dentro de um vaso hermeticamente fechado. Conectado a um processador de ondas neurais, o órgão de mais de 600 anos de antiguidade bradava por meio de potentes caixas de som:

- Onde está meu brinquedo!? Quero o meu brinquedo agora ou destruo cada um de vocês, seus malditos macacos!

Arg Umbo Adai Jr., chefe da sessão de Cosmoarqueologia do Império irrompeu.

- Grande Singularidade, Cérebro dos Cérebros, Rei do Universo, encontramos algo que certamente irá agradá-lo.

E com um gesto brusco fez uma serviçal de látex e silício adentrar ao grande salão real. Ela carregava uma espécie de bandeja de ouro.

- Trazemos da nossa última expedição, Grande Singularidade, algo que o fará lembrar-se dos velhos dias.

E a serviçal, curvando-se diante do recipiente onde submergia o órgão do venerável magnata, suspendeu a bandeja por sobre a própria cabeça.

- Eis, Líder Máximo, o que encontramos.

- Não...

- Sim, Magnífico C.O.

- EU NÃO ACREDITO!

E as caixas de som ressoaram microfonia pelos quatro cantos da megaestação orbital habitada unicamente por funcionários sintéticos e serviçais biológicos devidamente chipados.

- Um smartphone! Um smartphone de verdade! Vocês trouxeram um smartphone de verdade só para mim! Eu adoro vocês, meus colaboradores!

- Sabíamos que isto faria a vossa alegria, Grande Empreendedor.

E então Elon Musk entregou-se a alguns minutos de doces sonhos.

Ele gostava muito de recordar o passado e de colecionar coisas raras.

Arg Umbo Adai Jr. suspirou aliviado. Ele mais uma vez havia provado o seu valor e não seria rebaixado na escala dos seres úteis.

Pelo menos não naquele instante.

“Mais uma semana de feliz préstimos”, pensou com seus neuroimplantes, “ou duas”.

“Não!”, gritou o cérebro.

Adai Jr. paralisou parcialmente seu sistema nervoso sintético por 0,5 milissegundos.

“Um carregador, seus inúteis!”, Elon Musk esbravejou soando, em seus alto-falantes, como Odin no próprio Salão do Valhalla.

“Vocês esqueceram o meu maldito carregado!”, caiu em prantos o C.O.

Arg Umbo Adai Jr. aterrou-se.


⌘ ⌘ ⌘



FIM


DE


“ANTROPOCENO POBRE”.

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