UM TRIBUTO AO GRANDE C.O.
“ '0 rei está nu! O rei está nu!!' - começou a gritar o povo. E o rei ouvindo, fez um trejeito, pois sabia que aquelas palavras eram a expressão da verdade, mas pensou: 'O desfile tem que continuar!!' E, assim, continuou mais impassível que nunca e os camaristas continuaram, segurando a sua cauda invisível."
- Hans Christian Andersen ("A Roupa Nova do Rei", 1837).
Quando o primeiro módulo de exploração cruzou a atmosfera do planeta antigamente chamado Terra (hoje EDISON-1) verificou-se imediatamente o nível de toxidade do lugar.
- Vocês tem certeza de que isto é uma boa ideia? *, perguntou o piloto à nave-mãe.
- Apenas desça, respondeu uma voz no rádio.
A quantidade de radiação e gases letais verificados eram suficientes para matar até mesmo uma barata marciana. As montanhas de vidro, polietileno e outros detritos compunham um horizonte dominado por um céu agora desprovido algo que poderia ser chamado “camada de ozônio”.
- Cretinos, disse o cosmonauta depois de desligar o comunicador.
Chamava-se X CC O – X, mas, em casa ou informalmente, chamavam-no apenas “Xis”.
Xis não gostava do seu trabalho, mas precisava pagar seus créditos de oxigênio.
- Olá!?
O som da voz do explorador espacial reverberava pela vastidão das ruínas.
- Tem alguma coisa viva nesta maldita lixeira?
Nenhuma resposta. O cosmonauta ligou o comunicador portátil.
- Unidade de exploração para nave-mãe, acabo de realizar varredura completa de toda a superfície. Só achei montanhas de polietileno e vidro. Nenhum registro de atividade biológica ou similares. Solicito permissão para retornar a bordo.
- Permissão negada, respondeu o comando da missão, não podemos retornar à base sem comprovação de pouso. Encontre qualquer coisa que sirva e traga para nós.
O cosmonauta olhou ao redor. No chão viu um objeto pequeno e quadrangular. Fez o teste com o espectrofotômetro e verificou a composição química do vestígio. O contador Geiger também não acusou nada que impedisse a coleta. O objeto não era letal.
- Certo. Já achei. Podem me levar de volta.
A liberação das comportas do módulo veio na seqüência do click do comunicador.
No salão principal do palácio o cérebro de Elon Musk flutuava dentro de um vaso hermeticamente fechado. Conectado a um processador de ondas neurais, o órgão de mais de 600 anos de antiguidade bradava por meio de potentes caixas de som:
- Onde está meu brinquedo!? Quero o meu brinquedo agora ou destruo cada um de vocês, seus malditos macacos!
Arg Umbo Adai Jr., chefe da sessão de Cosmoarqueologia do Império irrompeu.
- Grande Singularidade, Cérebro dos Cérebros, Rei do Universo, encontramos algo que certamente irá agradá-lo.
E com um gesto brusco fez uma serviçal de látex e silício adentrar ao grande salão real. Ela carregava uma espécie de bandeja de ouro.
- Trazemos da nossa última expedição, Grande Singularidade, algo que o fará lembrar-se dos velhos dias.
E a serviçal, curvando-se diante do recipiente onde submergia o órgão do venerável magnata, suspendeu a bandeja por sobre a própria cabeça.
- Eis, Líder Máximo, o que encontramos.
- Não...
- Sim, Magnífico C.O.
- EU NÃO ACREDITO!
E as caixas de som ressoaram microfonia pelos quatro cantos da megaestação orbital habitada unicamente por funcionários sintéticos e serviçais biológicos devidamente chipados.
- Um smartphone! Um smartphone de verdade! Vocês trouxeram um smartphone de verdade só para mim! Eu adoro vocês, meus colaboradores!
- Sabíamos que isto faria a vossa alegria, Grande Empreendedor.
E então Elon Musk entregou-se a alguns minutos de doces sonhos.
Ele gostava muito de recordar o passado e de colecionar coisas raras.
Arg Umbo Adai Jr. suspirou aliviado. Ele mais uma vez havia provado o seu valor e não seria rebaixado na escala dos seres úteis.
Pelo menos não naquele instante.
“Mais uma semana de feliz préstimos”, pensou com seus neuroimplantes, “ou duas”.
“Não!”, gritou o cérebro.
Adai Jr. paralisou parcialmente seu sistema nervoso sintético por 0,5 milissegundos.
“Um carregador, seus inúteis!”, Elon Musk esbravejou soando, em seus alto-falantes, como Odin no próprio Salão do Valhalla.
“Vocês esqueceram o meu maldito carregado!”, caiu em prantos o C.O.
Arg Umbo Adai Jr. aterrou-se.
⌘ ⌘ ⌘
FIM
DE
“ANTROPOCENO POBRE”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário